sexta-feira, 29 de julho de 2011

UM ENCONTRO COM UGO CASTELLANA


Sou o tipo de pessoa que não gosta de ser tirada de sua rotina, particularmente no ambiente de trabalho e num momento em que cada minuto desperdiçado pode provocar um acúmulo de problemas. Por essa razão, quando fui chamado pelo diretor do escritório para projetar um vídeo na sala de reuniões, trazido por um senhor que nunca havia visto, ou que pelo menos não me recordava de tê-lo visto antes, disse para mim mesmo: “espero que aquele DVD não me faça caprichos e que eu volte para minha sala com a mesma velocidade com que tentei me livrar desse encargo”.

Entrei na sala e me deparei com um senhor de fino trato, já com seus 80 anos, que falava sobre sua vida para o diretor do escritório e uma colega de trabalho. Cumprimentei-o rapidamente e já me coloquei a arrumar os fios do aparelho de DVD para projetar o tal filme e retornar logo para minhas tarefas. Claro que o DVD não funcionou de imediato e, enquanto tentava descobrir qual o fio apresentava defeito, ouvia as histórias que aquele senhor contava com imenso prazer.

Ele não sabia, mas na época eu tinha colocado na cabeça (idéia que não deixei de lado) que escreveria um livro falando sobre as experiências de vida de pessoas de idade já avançada, mas com tamanha vontade de viver, que chegam a fazer sombra em grande parte da juventude. Então, quando o vídeo finalmente funcionou e fui convidado para continuar por ali, esqueci-me do tempo, dos compromissos e simplesmente me deixei envolver pelas histórias de quem tinha tanto para falar.

O vídeo, rodado em 2005, falava da vida daquele senhor que estava diante de mim, que havia feito fama na Itália como estilista e, a partir dos anos 60, também por aqui, no Brasil. Nasceu em plena Belle Époque, numa casa situada na Via Apia Antica, a estrada que liga a zona portuária ao centro de Roma, um lugar ainda hoje com belos campos e longe do burburinho frenético dos turistas caminhando pelas ruas da cidade eterna. Sua infância foi cercada por mulheres de forte personalidade, entre as quais sua irmã, da qual carrega consigo ternas lembranças. Já da sua mãe, marcou-me o fato de levá-lo com certa periodicidade às casas de pessoas com dificuldades financeiras, para que aprendesse que aquele mundo onde vivia não era compartilhado por todos, razão pela qual, acredito, deveria dar valor ao que lhe era dado.

Anos mais tarde, já adolescente, contrai tuberculose, num momento em que não existia cura para essa doença, contagiosa e que, portanto, obrigara-lhe a certo isolamento (a formação escolástica, por exemplo, teve que prosseguir por meio de aulas particulares). Em busca da cura, foi viver num sanatório na Suíça, onde o clima frio deveria colaborar para a melhora. O clima não ajudou, mas sim a penicilina, descoberta pouco depois e que lhe permitiu viver uma longa e produtiva vida dedicada à moda.

O mundo da moda ele conheceu primeiramente pela mãe, tias e primas, mulheres de grande elegância, segundo suas próprias palavras. Foi, porém, Emilio Schuberth, grande estilista daquela época, cujo nome pode ser comparado ao que é hoje Valentino e do qual sua mãe era cliente, quem o estimulou a entrar para a Accademia della Moda. Convite aceito, começa uma carreira de grande sucesso na Itália, onde, trabalhando primeiramente com Schuberth, exercita seu talento com pessoas de grande importância na sociedade da época, como a Princesa Soraya da Pérsia, as Rainhas do Egito e da Grécia e as divas do cinema, Sophia Loren e Gina Lollobrigida. A convivência com essas pessoas, aliás, fazem-no compreender que os mitos vivem apenas em nossas cabeças, já que os famosos também são de carne e osso e provavelmente mais acessíveis do que aqueles que apenas se acreditam famosos.

Lá pelas tantas, já em seu próprio atelier, confecciona um modelo para uma jornalista brasileira, que faz sucesso com ele em Paris e instiga Nina Ricci, ao vê-lo, a querer saber mais sobre esse jovem talentoso, ao qual lhe propõe trabalhar com ela. O convite foi uma honra, sobretudo numa época em que a França ainda ditava a moda do mundo, não obstante a italiana já começasse a colocar suas mangas de fora. Entretanto, Paris tinha apenas o Sena e não o Tibre e ele não podia viver longe da sua cidade natal.

Tempo depois, o jovem estilista foi convidado a mostrar suas criações durante a 5ª FENIT (Feira Nacional da Indústria Têxtil), em São Paulo. Junto com ele, vieram Valentino e as irmãs Fontana, já muito procuradas pelas divas do cinema internacional, como Audrey Hepburn. Foi ele, entretanto, que causou frisson na imprensa e acabou recebendo proposta de trabalho de uma famosa confecção brasileira e de casamento, por parte da amiga jornalista. Aceitou ambas as propostas e veio morar no Brasil, país que lhe encantava pelas cores intensas, fontes de inspiração.

Não sei bem o que aconteceu com seu casamento, que me parece terminou algum tempo depois. Quanto ao trabalho na confecção da Rua Oriente, para o qual ganhava US$ 2 mil por mês, uma bela retribuição para a época, em poucos meses havia decidido deixá-lo por ter certeza de que não era aquilo que queria fazer, mas sim a alta moda. Começou, então, a trilhar sua nova carreira no Brasil, que não foi tão fácil como a de Roma, já que por lá tinha apoio da família e dos amigos, enquanto que por aqui contava apenas com seu talento.

Embora não tão fácil a empreitada brasileira, aquele senhor cuja história me contava com tanto prazer, agora já sem a presença do diretor do escritório, que havia retornado às suas atividades, deixando-o com minha colega Paola, conseguiu atingir um nível de sucesso que poucos conseguem provar. Talvez usar tecidos brasileiros, enquanto os demais estilistas usavam produtos franceses, tenha sido um grande diferencial. A criatividade, porém, era seu ponto forte e aos poucos foi conquistando a confiança de atrizes como Maria Della Costa e Cacilda Becker, ou cantoras, como Elis Regina, que lhe expuseram na mídia a ponto da mídia querê-lo dentro dela. Nesse momento, foi convidado por Maria Teresa Gregori a participar de seu programa, onde tinha um quadro em que respondia a perguntas sobre moda, que depois o levaram a outros programas, nos quais chegou até mesmo a cozinhar!

E continuei a ouvir àquele senhor que me era cada vez mais familiar, contando sobre seu atelier na Rua Oscar Freire, quando ainda era uma rua residencial. Tratava-se de um espaço com capacidade para receber no máximo 200 e tantas pessoas e, como o público era muito maior na época de lançamento das coleções, com autorização da prefeitura e intervenção dos caminhões das redes de televisão, fechava a Oscar Freire para os grandes desfiles, entre a Bela Cintra e a Haddock Lobo. Uma ousadia para a época, que provocou a inveja de muitas pessoas, a ponto desse atelier, considerado o mais belo da época, ter sido arrombado e roubado. Um prejuízo de um milhão e meio de dólares, que quase levou à falência o protagonista dessa história que tento reportar com fidelidade.

Resolveu que a televisão era incompatível com sua vida, concentrando-se no seu trabalho que era o de fazer homens e mulheres, sobretudo, externarem seus lados glamorosos. Para os homens lançou os primeiros ternos coloridos, bem como adotou o jeans na sua confecção. Já para as mulheres, continuou a criar peças únicas, ora bordadas com sementes, ora com pedras brasileiras, e todas com profundo bom gosto, premiadas no Brasil e no exterior e cujo maior reconhecimento, na minha opinião, foi uma exposição no Museu de Arte de São Paulo, ainda sob a batuta de Pietro Maria Bardi.

Hoje, Ugo Castellana, personagem dessa história, vive parte do tempo no Brasil e parte na Itália. Divide, portanto, a vida entre os campos italianos que tanto lhe faltam e o país que lhe acolheu há exatos 50 anos. Exemplo de vida a ser seguido. Figura que confirma o que um grande amigo, também italiano, me disse há um tempo atrás, ou seja, que a razão da vida é deixar uma marca e Castellana deixou e ainda deixa suas marcas que estimulam quem o conhece a superar problemas e buscar a vitória com galhardia. Agradeço ao acaso por ter-me dado a oportunidade de conhecê-lo.

2 comentários:

  1. Acabei de conhecer o Ugo e realmente ele é fantástico...sobretudo sua humildade!

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  2. Ele foi casado com Leila Civita a primeira esposa de Roberto Civita??

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