sexta-feira, 29 de julho de 2011

CARTA A UMA AMIGA

Cara amiga,

Soube da profunda tristeza na qual mergulhou com a partida de seu pai e, desde então, venho pensando em como te ajudar a recuperar a alegria que te era tão característica.

Cheguei hoje à conclusão de que não posso, não tenho como te ajudar, pois alegria ou tristeza não são extrínsecas ao ser humano, não são algo que o mundo exterior faz brotar dentro de nós. Ao contrário, somente nós podemos controlar como as ocorrências do dia-a-dia podem afetar nosso humor.
Se eu colocar na minha cabeça que sou a pessoa mais triste do mundo, o campo mais verdejante vai me parecer um brejo, a flor de cor mais intensa não passará de uma erva daninha, o canto dos pássaros será um barulho incômodo e o sorriso de uma criança não me parecerá outro que um deboche.

Existem pessoas que vivem os mais desafiadores infortúnios e, não obstante, irradiam felicidade (veja o caso de vítimas das enchentes no Rio que, embora tenham perdido a família e os bens pessoais, estão engajados na ajuda aos desabrigados). Trata-se de pessoas que compreendem e aceitam a razão dessas provas que quotidianamente batem às nossas portas: dificuldades financeiras, problemas conjugais, doenças incuráveis, filhos rebeldes e a perda de entes queridos.
Digo tudo isso para que você compreenda que não é a partida de seu pai que te tirou a alegria de viver, assim como não foi o nascimento dos sobrinhos que você tanto ama que te fez um dia uma pessoa feliz. Não, a felicidade contagiante é um dos seus talentos inatos que, no presente momento, apenas não se sente à vontade para invadir o mundo, para provocar os risos que, normalmente, nos levam às lágrimas de tão intensos.

Não chore porque seu pai se foi, mas ria porque ele existiu. Se hoje o peso da saudade parece ser insuperável, compreenda que esse sentimento não existiria se você não tivesse passado por inúmeros momentos agradáveis na companhia paterna.
Não valorize tanto uma perda, que nem mesmo ocorreu, já que a chamada morte tem o poder de levar apenas o corpo físico. Valorize aquilo que tem, que são as lembranças de um pai presente, base de uma bela família que, aliás, continua à sua volta, precisando da sua alegria, para que também possa se sentir alegre.

Seu pai partiu, mas e sua mãe? Ela te carregou no ventre por nove meses, te alimentou, perdeu noites de sono por conta de uma febre mais alta que te afligia, vibrou com suas conquistas, te apoiou nas suas escolhas, te abraçou quando você mais precisava. Bem, hoje é ela que precisa de sua ajuda para superar esse momento difícil, mas também para superar o peso dos anos que já começam a se fazer presentes.
Sua mãe deve ser a razão primária para continuar na batalha, mas não podemos nos esquecer das suas sobrinhas, tão frágeis e tão ligadas a você. Suas irmãs, que são suas melhores amigas e que sempre contaram com você na criação de seus filhos, também não podem ser esquecidas, assim como seu marido, que se beneficia do privilegio de viver com uma pessoa tão feliz, embora hoje se acredite triste.

Se isso tudo não é razão suficiente para você se restabelecer, é importante que você saiba que se você quer tão bem a seu pai, então não pode se deixar levar pelo desânimo, antes de mais nada porque não foi isso que ele te ensinou e, depois, porque a sua infelicidade será sentida por ele que, impotente diante da situação, também ficará infeliz, fazendo com que sua recuperação no mundo espiritual para o qual partiu seja mais lenta. Convenhamos que isso não é justo.
Compreenda que cada indivíduo é protagonista de sua própria história, que poderá ser acompanhada por figurantes, mas jamais vivenciada por eles. Seu pai viveu sua vida e agora segue adiante na sua evolução para, num futuro breve, se reencontrar com vocês.

Viva também a sua vida, que é a de ajudar a quem precisa, a de provocar um sorriso incontido, a de seguir adiante com a força de um gigante. Aja desse modo e sua mãe, imãs, marido, sobrinhos, cunhados e, sobretudo, seu pai vão continuar a se orgulhar do exemplo de pessoa que você é.
Um abraço,

Ronaldo

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