domingo, 31 de julho de 2011

A MORTE DE UMA ESTRELA

Nada dura para sempre. Mesmo as estrelas morrem e, em seu leito de morte, brilham de um modo singular. Giram ao redor de si numa velocidade acima da nossa compreensão, dispersando no cosmos toda matéria da qual são constituídas. E é nesse movimento frenético que, paradoxalmente, atingem o máximo do vigor e da beleza.

Também são assim as estrelas que habitam nosso mundo, inebriando-nos com sua eloqüência, encantando-nos com sua voz, fascinando-nos com sua beleza. Estrelas criadas pela mídia, alimentadas pelo sucesso e muitas vezes desorientadas em si mesmas.
Histórias que de tanto se repetirem, chegam a nem mais surpreender. Atores, cantores, escritores, poetas e formadores de opinião de todos os tipos que vivem uma vida breve, porém intensa, como se tivessem consciência do dia e hora do momento de partir. Então produzem quase que insanamente, esquecendo-se de si próprios, deixando-se levar por falsos valores e autodestruindo-se.

Recentemente, foi Amy Winehouse quem nos deixou, depois de ter brindado o mundo com sua voz rouca, sua imagem meio retrô e, infelizmente, sucessivos escândalos. Como ela, passaram por experiências semelhantes Janis Joplin, Kurt Cobain, Elis Regina, River Phoenix, Cazuza  e uma infinidade de nomes.
Vidas levadas pelo vento, arruinadas por lhes faltarem o mais basilar sentimento de preservação, comum em sociedades que valorizam o ser e não o ter, nas quais os indivíduos sabem da importância que têm para familiares e amigos e de como cada movimento que realizam pode afetar os que lhes estão ao redor.

Indivíduos com resistência moral abalada, personagens amargos, seguidores inconscientes da Doutrina Existencialista de Jean Paul Sartre, segundo a qual o sentido da vida é a morte que, como pode vir de um momento para o outro, leva-os a viver o hoje, ignorando as conseqüências dos atos, pois o amanhã pode não existir. Então, entregam-se às drogas, ao alcoolismo, às relações inconseqüentes, à violência.
Tudo é transformado no caos e é nesse ambiente que produzem suas obras, que talvez nos encantem exatamente por refletirem em acordes, palavras e sentimentos tresloucados tudo o que nossa covardia é capaz de admirar nos outros, mas repudiar em nós mesmos.

Aí vem a morte precoce e alguém diz “Mais uma estrela perdida para as drogas”, como também não tivéssemos parcela de culpa nessa perda, por alimentarmos a vaidade desses ídolos, que para nos satisfazerem mais e mais, mergulham no lado sórdido da vida. No fundo, até mesmo torcemos para que sucumbam, para que nos entretenham com mais um escândalo, tornando público algo que deveria ser tratado em família, onde o apoio nunca deveria faltar.
Pena que a mídia faz dessas pessoas, apesar de todos os defeitos e com todas as qualidades que verdadeiramente têm, mais estrelas do que aquelas que brilham com uma luz quase que etérea, como se estivessem a muitos anos-luz de nós, tímidas no meio da multidão.

Quantos sabem que João Carlos Martins foi exímio pianista, que após grave doença, hoje brilha como maestro? Alguém já ouviu falar de Aparecida Conceição Ferreira, que sem qualquer ajuda do poder público, conseguiu levantar um hospital que chegou a atender a 300 afetados pelo chamado “fogo selvagem”? Quantos foram informados que Carlos Chagas Filho, brasileiro, administrou um dos principais centros de pesquisa do mundo, no Rio de Janeiro, e para o qual afluíam cientistas de todas as partes?
Infelizmente, boas notícias não trazem o retorno publicitário desejado ... Quem sabe um dia saberemos dar valor às verdadeiras virtudes? No meio tempo, aguardemos que estrelas nasçam, cresçam, brilhem e, num átimo de tempo, tornem-se apenas buracos negros a partilharem nossa atenção com estrelas de grandeza então superior.

sábado, 30 de julho de 2011

OS CÓDIGOS DE LEONARDO DA VINCI

Conforme palavras de Leonardo, registradas em seu primeiro Caderno de Anatomia, o mestre florentino produziu ao longo de toda sua vida, mas sobretudo a partir de 1499, quando então contava com 47 anos, pelo menos 120 volumes de anotações e desenhos, equivalentes a mais de 10.000 páginas, das quais se acredita que apenas a metade tenha chegado aos dias atuais, espalhadas por diversas coleções públicas e privadas em todo o mundo. Tais coleções, na maioria das vezes encadernadas em volumes até bastante consistentes, o mundo convencionou chamar de códigos, entre os quais se destacam, pela dimensão e conteúdo, o Código Atlântico e o Código do Vôo, mas também o Código Trivulziano, o Código Windsor, os Códigos Madri I e II, os Manuscritos da França (designados pelas letras de A a M e que totalizam 964 folhas), o Código Hammer (hoje Bill Gates) e diversos outros.

O Código Atlântico é considerado a mais surpreendente e importante coleção de manuscritos de Leonardo da Vinci existente no mundo: são cerca de 1.119 folhas, num total de 1.750 desenhos e, portanto, uma impressionante coleção, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitativo. Pode ser comparada a uma espécie de compêndio enciclopédico da obra científica e também artística de Leonardo.

Tem sua origem nas vicissitudes que envolveram os manuscritos de Da Vinci logo após a sua morte. Sabe-se que Leonardo morreu em 2 de maio de 1519, no palácio de Clos Lucé (antigamente chamado de Cloux e localizado nos arredores da corte real francesa de Amboise), onde passou a viver em 1516 a convite do Rei da França, tendo deixado em testamento todos os seus manuscritos a seu discípulo predileto, Francisco Melzi.

Francisco Melzi, filho de uma nobre família italiana, conservou todo esse material como uma relíquia, como um tesouro valioso de seu mestre. Todavia, o mesmo não ocorreu com seus herdeiros e quando veio a falecer em 1570, os descendentes de Francisco Melzi abandonaram todos os escritos de Da Vinci em um sótão da mansão da família em Vaprio d’Adda, localizada às portas de Milão, onde ficam esquecidos e descuidados por um bom tempo, até que tem início seu processo de dispersão pelo mundo.

Contrariamente a um grande número de artistas e cientistas que têm seus nomes e obras valorizados somente após a sua morte, Leonardo já era respeitado e admirado mesmo em vida e, portanto, suas obras sempre tiveram grande valor (basta lembrar que Bill Gates pagou por cada uma das folhas do Código Hammer o equivalente a US$ 1 milhão). Um valor que não foi percebido pelos descendentes de Francisco Melzi, mas que não passou em branco pelos olhos de Lélio Gavardi, preceptor da família e que furtou 13 volumes de anotações e desenhos leonardescos com a intenção de vendê-los ao Grão-Duque da Toscana, Francisco de’ Médici, apaixonado colecionador de arte. Todavia, o Grão-Duque morre em 1587 sem tê-los adquirido, o que obrigou Gavardi a procurar melhor sorte em Pisa, com seu parente Aldo Manuzio.

Giovanni Mazenta, porém, pertencente a uma antiga e ilustre família milanesa, ficou sabendo desse “trafico” e agiu em modo a obrigar Gavardi a devolver o material roubado à família Melzi que, surpreendida com a honestidade de Mazenta e ainda sem se dar conta do valor do tesouro que tinha em mãos, na figura de Orazio Melzi, decide presenteá-lo com os 13 volumes então restituídos, bem como convida-lo a retirar outros desenhos de Leonardo guardados em Vaprio d’Adda.

Divulgada a notícia da indiferença dos Melzi pelos manuscritos vincinianos, começaram a bater às portas da mansão pessoas de todo tipo, na esperança de terem a mesma sorte de Mazenta. Entre essas pessoas, destaca-se Pompeo Leoni, filho de Leone Leoni, escultor predileto de Felipe II, rei da Espanha.

Propondo a Orazio Melzi dignificações junto senado espanhol, Pompeo Leoni consegue convencer Melzi a solicitar que Mazenta lhe devolvesse os manuscritos que lhe havia presenteado, com a promessa (jamais cumprida) de serem doados à corte espanhola. Dessa forma, 7 dos 13 manuscritos que estavam nas mãos de Mazenta retornaram aos Melzi para depois passarem a Pompeo Leoni. Dos 6 manuscritos que permaneceram com Mazenta, um foi doado em 1603 ao Cardeal Federico Borromeo, que fundou a Biblioteca Ambrosiana em 1609, outro passou às mãos do pintor Ambrogio Figino (e após a sua morte a seu herdeiro, Hércules Bianchi) e outro, ainda, ao Duque Carlos Emanuel de Savoia. Os outros 3 volumes permaneceram com o irmão Mazenta até a sua morte, após a qual uniram-se aos demais que estavam com Pompeo Leoni.

Percebendo que os manuscritos não seguiam uma ordem particular desejada por Leonardo, Leoni inicia na década de 1580 um trabalho de desmembramento de todas as suas páginas, cortando e mudando sua ordem, de maneira a obter volumes de maior expressão. Também tinha a intenção de separar os desenhos puramente artísticos daqueles de cunho tecnológico e científico. Desse trabalho resulta o Código Windsor, formado por 600 desenhos montados em 234 folhas e, atualmente, conservado na Biblioteca Real de Londres, bem como o Código Atlântico, custodiado na Biblioteca Ambrosiana, considerada a biblioteca cívica de Milão, sua instituição cultural por excelência.

De certa forma, o trabalho de desmembramento dos cadernos vincinianos também teve o objetivo melhor conserva-los e facilitar seu manuseio. De fato, Leonardo não usou papel de tamanho padronizado, mas realizou suas anotações em folhas de tamanhos variados, às vezes irregulares, em alguns casos escritas somente na frente, em outros também no verso, o que dificultava um pouco seu manuseio. Então, Pompeo Leoni decidiu colar as folhas de Leonardo de vários tamanhos em folhas de um único formato, aliás, o maior formato possível, cortando janelas para os casos de manuscritos com anotações na frente e no verso, criando uma espécie de passe-partout. Dessa forma, ao lê-las, o leitor não tinha mais que tocar os originais, mas apenas as folhas de suporte.

A folha de maior tamanho no século XVII era a de formato atlântico, ou seja, a que era usada para imprimir e confeccionar os chamados atlas, razão pela qual o mais completo código vinciniano tem o nome de Atlântico.

Com a morte de Pompeo Leoni, o Código Atlântico é herdado, em 1610, por Polidoro Calchi (marido de Vitória, filha de Leoni), que o vende pela soma de 300 escudos ao Conde Galeazzo Arconati, com o qual permanece, em sua mansão de Castellazzo di Bollate (nos arredores de Milão), até 21 de janeiro de 1637, quando é doado à Biblioteca Ambrosiana, juntamente com o Código do Vôo, conforme especificado no documento de doação assinado por Arconati.

O fato dos Códigos Atlântico e do Vôo terem entrado para a Biblioteca Ambrosiana após um século conturbado, no qual passaram de mão em mão, de um mercador de arte a outro, não significa um ponto final em suas peripécias, que prosseguirão na era napoleônica.

Quando Napoleão entrou em Milão, em 15 de maio de 1796, sabia exatamente quais eram os tesouros que deveriam ser transferidos a Paris para que, como dizia ele, pudessem ser tutelados. Na realidade, tratava-se da requisição de um verdadeiro espólio de guerra. Tanto é que, 9 dias antes da sua chegada a Milão, apresentou-se às portas da Biblioteca Ambrosiana Jacques Tinet, que poderia ser chamado de Ministro da Cultura francês, acompanhado do comissário de guerra Peignon, com uma lista bem precisa de obras que deveriam ser transportadas a Paris. Menos de uma semana depois, deixavam a Biblioteca Ambrosiana as caixas contendo as várias obras tomadas pelo governo de Bonaparte, as quais chegaram a Paris somente em 25 de novembro. Durante esse longo percurso foi definido o destino dessas várias caixas. Por exemplo, a caixa de no. 19, identificada como “Carton des ouvrages de Léonard de Vinci” (Papéis com obras de Leonardo da Vinci), foi destinada à Biblioteca Nacional de Paris, enquanto que outra caixa contendo “Douze petits manuscrits de Leonard de Vinci” (Doze pequenos manuscritos de Leonardo da Vinci, entre os quais, o Código do Vôo e os Manuscritos A a M) foi destinada ao Instituto da França. Essa separação foi a causa da incompleta restituição dessa obras à Biblioteca Ambrosiana ao término do domínio de Napoleão, em 1815.

Terminada a era Bonaparte, dirigiram-se a Paris os plenipotenciários das várias nações européias que, entre outras coisas, tinham a função de identificar e repatriar as obras de arte tomadas de seus respectivos países como espólio de guerra. A esse ponto, ocorre um episódio curioso e, de certa forma, cômico: Milão, após a fase napoleônica, voltou ao domínio austríaco e, portanto, a autoridade legítima encarregada de mandar um plenipotenciário para recuperar os bens artísticos tomados de Milão era a casa de Habsburgo. Esse plenipotenciário, chamado Ottenfels, era um barão, provavelmente aposentado depois de ter participado de campanhas militares e, sem dúvida, uma pessoa que não se interessava por arte. Ottenfels, ao ver os escritos de Leonardo e não conseguindo ler sua famosa grafia inversa (talvez, mesmo o idioma italiano já não lesse muito bem), tomou esses textos por relíquias chinesas e disse: "Sem dúvida, não nos pertence; é do Extremo Oriente".

Por sorte, estavam presentes nessa ocasião os plenipotenciários do Papa e, entre eles, o famoso escultor e chefe da delegação papal, Antonio Canova, ou seja, alguém que entendia (e muito) de arte e sabia bem que aquilo não era uma coletânea de escritos chineses, mas era o famoso Código Atlântico de Leonardo e conseguiu convencer o aposentado barão austríaco a levar para Milão o que é o tesouro mais importante da Biblioteca Ambrosiana. Levou consigo também cópias, tomadas como verdadeiras, de 3 dos 12 pequenos volumes que se encontravam no Instituto da França, tendo assinado um recibo no qual se comunicava que todos os manuscritos vincinianos levados da Biblioteca Ambrosiana haviam sido recuperado, com exceção de 9 pequenos manuscritos, que não haviam sido encontrados na Biblioteca Real de Paris.

As peripécias do Código Atlântico não terminaram com a época napoleônica. Tiveram um breve, mas doloroso, apêndice no século passado, em 1968, quando um funcionário da Biblioteca Ambrosiana, Anselmo Mancaello, roubou uma folha dupla do Código Atlântico para tentar vendê-la no mercado de antiguidades. Obviamente, não obteve sucesso, pois a obra era muito conhecida e terminou por devolvê-la em 13 de novembro desse mesmo ano. 

Após esse episódio, teve início um processo de restauração de todo o Código, que ocorreu entre 1968 e 1972 e incluiu a substituição de todas as folhas de suporte e sua encadernação em doze livros. Isso, naturalmente, permitiu tutelar com maior cuidado essa obra, porque claramente as folhas não podem mais ser removidas, já que estão encadernadas em volumes.

O restauro não se consistiu somente da encadernação das folhas de Leonardo, mas também da substituição do passe-partout de Pompeo Leoni, ou seja, das folhas de suporte que, atualmente, são todas novas, feitas com um papel especial, de acidez específica e tendo um cuidado especial no ponto de contato entre a folha de Leonardo e a folha de suporte, de modo a poder tutelar do melhor modo possível os manuscritos.

Uma questão de relevância que se deve colocar é: teria Pompeo Leoni usado algum critério quando montou as folhas do Código Atlântico e quando as ordenou na seqüência que ficou sendo a tradicional e que ainda hoje é a encontrada nos doze volumes do atual Código Atlântico?

A resposta quase certa é não. Talvez tenha tentado fazer isso ao separar os desenhos artísticos dos científicos, mas, ou por falta de tempo, ou por mudança de estratégia, não completou essa empreitada. O fato é que não há uma seqüência lógica. Há, na realidade, uma desordem que, no final das contas, é o que torna o Código Atlântico tão espetacular, pois a cada virada de página descortinam-se um novo tema, um novo projeto, nos mais variados campos pelos quais Leonardo transitou: óptica, arquitetura, geometria, arte e, sobretudo, mecânica e hidráulica. São encontrados no Código Atlântico, por exemplo, os estudos para a construção dos chamados Navilhos de Milão, bem como uma grande quantidade projetos de máquinas bélicas, porque, em Milão, Leonardo era patrocinado pelo Duque Ludovico - O Mouro, que não o queria somente para produzir obras de arte, mas, sobretudo, para desenvolver máquinas bélicas, armas sempre mais potentes, para as suas guerras de conquista e de defesa do Ducado.

Todas as páginas do Código Atlântico são fascinantes, mas com fascínios diferentes. Há o fascínio da página monotemática, onde em uma página inteira é dedicada ao projeto de uma obra, de uma máquina ou de uma construção, sendo possível, portanto, estudar seu conteúdo nos mínimos detalhes. Em algumas dessas páginas monotemáticas, por exemplo, Leonardo realiza o desenho integral de um mecanismo e, depois, o desenho decomposto. Por exemplo, as várias engrenagens decompostas de um mecanismo, desenhadas ao lado do mecanismo montado. Há também o fascínio das páginas realmente caleidoscópicas, onde se vê um pouco de tudo, como por exemplo, suas anotações pessoais ao lado do esboço da imagem de uma Nossa Senhora, ao lado do esboço de uma planta do Castelo Sforzesco, ao lado de um pequeno homem que caminha sobre as águas em patins que deveriam flutuar, ou um homem com as asas e seu projeto do vôo.

Atualmente, o Código Atlântico é conservado na sala dos Tesouros da Biblioteca Ambrosiana de Milão, de onde praticamente não sai.

A Biblioteca Ambrosiana, localizada a poucos passos da famosa catedral gótica de Milão, é uma das mais importantes instituições culturais do mundo, com uma coleção de mais de 450 mil livros impressos, 15 mil manuscritos originais, 3 mil incunábulos (livros impressos nos primeiros tempos da imprensa), mais de 12 desenhos e outros tantos pergaminhos, além de mais de 1500 óleos sobre tela, madeira e cobre. Além do famoso Código Atlântico, habitam a Biblioteca Ambrosiana outras obras de Leonardo: 27 desenhos, 4 incisões com os chamados “nós vincinianos”, o fascinante livro de Luca Pacioli intitulado “A Divina Proporção”, contendo ilustrações de Leonardo (entre as quais a do famoso Homem Vitruviano) e o óleo sobre madeira com o retrato do músico, provavelmente pintado em 1485.

Muito se falou até agora sobre o Código Atlântico, mas e o Código do Vôo? O que tem ele de tão especial, para ser colocado no mesmo nível de importância do Atlântico, embora tenha apenas 18 folhas, contra 1119 do Código Atlântico?

Bem, o Código do Vôo é fascinante pelo fato de certamente ter sido usado como caderno de anotações de Leonardo, onde ele escreveu e desenhou em vários períodos; inicialmente fez desenhos, entre os quais desenhos de folhas e desenhos de perspectivas anatômicas. Depois disso, escreveu com sua grafia nervosa e difícil de ler, incompreensível para muitos, falando de um tema muito instigante que é o vôo dos pássaros. Assunto tão instigante que ele mesmo intitula o caderno como "Pássaros e outras coisas" e não faz referência a outros temas. Dentro desse tema, Leonardo estuda a anatomia dos pássaros e seu comportamento durante o vôo, a ponto de desenvolver um pássaro mecânico que lhe servisse de modelo para seus estudos, bem como uma máquina capaz de fazer o homem voar, a qual pode ser considerada um irmão mais velho dos modernos planadores, ou dos concordes.

Quando entrou no Instituto da França, levado pelos representantes de Napoleão, o Código do Vôo possuía algumas folhas a mais, folhas que hoje compõem o chamado Manuscrito B, no qual se encontram anotados numerosos estudos sobre o vôo, bem como propostos diversos mecanismos de máquinas voadoras, entre as quais a mais célebre de todas, ou seja, o parafuso voador, precursor do moderno helicóptero. A separação do Código do Vôo em duas partes ocorre entre 1841 e 1844, quando lhe cruza o caminho Guiherme Libri, definido por todos como um dos mais temíveis acidentes da história dos Códigos Da Vinci.

Libri, conhecido por ser um exímio matemático, foi também um antiquário de renome e que, infelizmente, furtou importantes peças de diversas bibliotecas, revendendo-as no mercado de arte. Dessa forma, com Guilherme Libri o Código do Vôo deixa o Instituto da França, juntamente com outros importantes documentos, entre os quais algumas páginas dos manuscritos A e B.

 Os Manuscritos A e B foram vendidos na Inglaterra a Lord Ashburnhuam que, porém, devolve-os ao Instituto da França em 1888. Quanto ao Código do Vôo, sabe-se que foi desmembrado por Libri e mutilado em 5 de suas folhas (1, 2, 10, 17 e 18), as quais, entre 1859 e 1864, foram vendidas em Londres ao pintor e colecionador Charles Fairfax Murray. As demais 13 folhas foram vendidas ao Conde de Lugo, Giacomo Manzoni, que com elas ficou até sua morte, em 1889.

Em 1892, as folhas do código do Vôo pertencentes aos herdeiros de Manzoni passaram às mãos de Theodore Sabachnikoff, personagem incrível, pertencente a uma família russa de grande importância empresarial, mas também de importantes qualidades culturais e intelectuais, a ponto de ter criado uma das salas culturais mais renomadas da época em sua região (Sibéria), onde se reuniam normalmente intelectuais, mas também dissidentes e exilados políticos e por onde se formou parte da intelectualidade daquele período.

Sabachnikoff era fascinado pelo Humanismo e pelo Renascimento e, em particular, pela personalidade de Leonardo da Vinci, o que o fez passar grande parte da sua vida tentando reunir tudo o que existia pelo mundo sobre Leonardo, adquirindo muitas obras no mercado de antiguidades. Nessa sua busca, encontrou Piumati, no qual apreciava o fato de ser a única pessoa capaz de, no séc. XIX, ler a grafia invertida de Leonardo. Com Piumati, encontrou este famoso Código, o qual comprou com o objetivo de editar um fac-símile. Sabendo desse projeto, Murray cede a Sabachnikoff uma das 5 folhas de sua propriedade, a de no. 18, ignorando que as demais também fizessem parte do Código.

O fac-símile, editado pela cada Hoepli, conta com um belo prefácio de Sabachnikoff, que contém um dos mais belos retratos de Leonardo: "Leonardo da Vinci, homem universal e perfeito do Renascimento Italiano, anatomista, químico, botânico, geólogo, geógrafo, engenheiro, nós o vemos na matemática e nas ciências indutivas, precursor de Galileu e de Bacone. Artista, revela-se poeta, músico, destaca-se com primazia na escultura e na arquitetura. Com o tempo, sua figura não pára de engrandecer-se".

Terminado o trabalho de edição, Sabachnikoff decide doar suas 14 folhas do Código do Vôo ao Rei da Itália, Humberto I, que as deposita na Biblioteca Real de Turim, a qual já possuía grande quantidade de desenhos de Leonardo e por ele considerada a única biblioteca em condições de preservar esse precioso patrimônio.

Dez anos mais tarde, em 1903, a folha 17 une-se às demais em Turim. As demais faltantes (1, 2 e 10) foram cedidas ao colecionador Enrico Fatio, de Genebra, o qual as doa ao Rei Vitor Emanuel III alguns anos depois.

Termina, assim, a aventura do Código do Vôo que, em possesso de todas as suas páginas (à exceção das que compõem o Manuscrito B, ainda custodiado no Instituto da França), é hoje definitivamente conservado na Biblioteca Real de Turim.

A Biblioteca Real de Turim, única no mundo por sua preciosíssima coletânea de manuscritos, desenhos e incisões, além de volumes impressos e coleções fotográficas, tem sua origem no firme desejo de Carlos Alberto, Rei da Sardenha (que também incluía o Piemonte, cuja capital é Turim), de criar sua "wunderkammer", ou seja, um gabinete das maravilhas para onde pudesse transferir parte das suas coleções espalhadas por seus diversos castelos, mas, sobretudo, onde pudesse guardar suas aquisições feitas no mercado de antiguidades em termos de objetos e livros que tivessem pertencido ou, conforme constava em inventários, estivessem ligados à Casa Savóia e que se perderam por vários motivos, ou terminaram queimados nos incêndios que devastaram a Galeria Ducal no final da segunda metade do Século XVII, provocando graves danos inclusive à coleção de livros acumulada pelos Savóia nos séculos precedentes.

A vontade de Carlos Alberto foi a de criar uma biblioteca feita sob medida, que servisse para ele, para seu prazer, mas que também servisse para os seus dignitários e que, portanto, tivesse também uma função pública; daí surgiu a idéia de transferi-la à seção que atualmente ocupa do Palácio Real, confiando a realização dessa obra a Pelagio Palagi, que era o arquiteto da corte.

Depois, graças ao auxílio dos valorosos bibliotecários que mantinham a Biblioteca Real, foram adquiridas várias outras obras de arte, entre as quais, em 1839, uma preciosa coletânea de 2.000 desenhos italianos e estrangeiros, adquirida de um antiquário importante do local, Volpato, entre os quais se encontravam desenhos de Leonardo (incluso o famoso auto-retrato), mas também de Rafael, de Michelangelo Buonarroti e outros.

Atualmente, a Biblioteca conserva cerca de 200 mil volumes, 4.500 manuscritos, 3.000 desenhos, 190 incunábulos, 5.000 publicações do século XVI, 1.500 pergaminhos, revistas, álbuns fotográficos, cartas geográficas, incisões e impressões.

REFLEXÕES SOBRE O ORGULHO

Não me lembro onde li que o orgulho é o pior dos defeitos por estar na origem de todos os demais. O fato é que passou muito tempo até que começasse a amadurecer esse conceito em minha cabeça.

Orgulho é sinônimo de amor-próprio exagerado, que provoca, ou é o resultado, de um desequilíbrio emocional invariavelmente associado à arrogância, à altivez e à insolência.
É o orgulho, portanto, que nos faz ter um conceito excessivamente elevado de nós mesmos, que nos provoca um desejo imoderado de chamar a atenção, ou de receber elogios (vaidade), mas que por outro lado também pode despertar nossa cobiça em vista da superioridade ou felicidade de outrem (inveja) e que, nos limites da loucura, pode se transformar em ira incontida, ou rancor violento e duradouro que se deseja ao próximo (ódio).

Tanta altivez termina por distorcer nossa visão a ponto de fazer com que nos preocupemos exclusivamente conosco mesmos (egoísmo). Também bloqueia a razão, fazendo-nos pouco propensos a compreender e a tornarmo-nos compreendidos (incompreensão).
Ora, quem nessas condições não se torna incapaz de suportar algo ou alguém (impaciência), disposto a desrespeitar a opinião alheia (intolerância), a atacar (agressividade) e a retalhar até mesmo premeditadamente (vingança)?

E mesmo os tímidos, melancólicos, trancados em seus mundos, vítimas de si mesmo e de seus antagônicos, os extrovertidos, nada mais são do que pessoas orgulhosas, com medo de se expor e de não serem aceitos, com ódio de si mesmos e da vida que levam, prontos a explodirem, sem o menor remorso.
E como nos livrarmos desse mal pela raiz? A resposta encabeça o primeiro dos mandamentos: Amar a Deus sobre todas as coisas. E para amar a Deus incondicionalmente, do fundo da nossa alma, antes de tudo devemos amar a nós mesmos, mas também ao próximo, igualmente filho de Deus e, portanto, nosso irmão.

Fácil? Nem um pouco e nem tampouco rápido. A aceitação de nós mesmos é um processo lento e, por isso mesmo, requer diversas vidas, nas quais experimentamos essas várias faces do orgulho, de maneira a, paulatinamente, deixarmo-lo de lado, transformando-lo em sensatez, brandura, humildade, amor.
O processo é lento, longo, mas com fim inevitável, que é o de fazer com que retornemos à casa do Pai. Todavia, se não for iniciado, esse percurso nunca será cumprido e o momento mais propício para que essa reforma interior seja realizada é agora. Façamos um grande esforço, portanto, para aceitar nossas fraquezas, valorizar nossas virtudes (mas sem exageros) e estimular nossos irmãos, com nossos pequenos progressos, para que também evoluam.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

SÃO PAULO VISTA DO ALTO DE SEUS TERRAÇOS

Da visão que se tinha da pequena vila de São Paulo do Piratininga, ao dela se aproximar pela antiga Estrada de Tabatingüera, restam somente lembranças registradas em aquarelas por viajantes de passagem pelo mirrado ajuntamento de casas construído no alto de um morro e isolado boa parte do ano pelas cheias dos rios Anhangabaú e Tamanduateí. Resta também a Rua Tabatingüera, que em nada lembra o venho caminho do mar, espremida entre o Parque Dom Pedro e a Praça da Sé e sufocada por arranha-céus de todos os tamanhos.

A vila eclodiu, desenvolveu-se, cresceu e as graciosas palmeiras, onde cantavam os sabiás que encantavam os poetas românticos de décadas atrás, deram lugar a construções ora sisudas, ora fascinantes, às vezes irreverentes, mas que em quaisquer casos levam-nos a querer saber como, em pouco mais de cem anos, um povoado esquecido no meio do nada se tornou uma das maiores metrópoles mundiais.

De fato, até 1870 São Paulo contava com pouco mais de trinta mil habitantes, número que pulou para um milhão, por volta de 1920, e para mais de onze milhões nos dias atuais. De onde veio tanta gente, ou o que talvez seja mais apropriado perguntar, o que atraiu a atenção de tanta gente para cá? E a resposta a essa pergunta está muito mais próxima do cotidiano de todos nós do que possamos imaginar: um cafezinho.

Sim, um simples cafezinho, que quase todos degustamos puro ou com leite, alongado ou curto, logo pela manhã, ao acordar, ou depois do almoço, para não deixar o sono nos levar. Uma bebida simples, que nem mesmo é nativa do Brasil, mas que na terra avermelhada de São Paulo, chamada “rossa” pelos imigrantes italianos, de onde nasce o termo “terra roxa” dado pelos paulistas, proliferou e tornou-se uma das maiores riquezas deste país.

Pois é, o café paulista ganhou o mundo (até 1929, 75% do café comercializado no mundo era produzido em São Paulo) e acabou enriquecendo muita gente, uma elite de fazendeiros que o tempo se encarregou de chamar de barões, os quais, como todos os endinheirados, passaram a ter necessidades que a vidinha provinciana de São Paulo não era capaz de satisfazer. Para aquietar essa demanda latente, primeiro um comércio e depois uma pequena indústria começaram a se desenvolver e cresceram impulsionados particularmente pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, construída para ajudar a escoar a produção de café e que propiciou a vinda para a capital, estrategicamente colocada no meio do caminho entre o porto e as plantações, de produtos de primeira linha, trazidos da Europa como lastros dos navios que tinham a incumbência de levar para o exterior a valiosa bebida brasileira.

Mas de onde veio a mão de obra necessária para dar vida a esse comércio e indústria, já que a coletividade mameluca local não tinha experiência nesse tipo de atividade? Bem, é aí que começa a saga de muitas famílias de imigrantes, em mais de 50% dos casos italianas, que de 1887 a 1920 vieram “a rodo” para o Estado e a cidade de São Paulo, assegurando num primeiro momento a produção de café e, posteriormente, colaborando na implantação do embrionário sistema comercial e industrial paulista, desenvolvendo atividades nas quais eram mestres em suas terras de origem, como a de ferreiro, sapateiro, marceneiro, pedreiro, costureiro, padeiro, tecelão, modelador e até mesmo de músico. A terra dos bandeirantes era carente de todos os tipos de profissionais que pudessem trazer o conforto almejado pela elite florescente e, para se ter uma idéia da quantidade de imigrantes que São Paulo acolheu, por volta de 1920, dois terços de sua população era formada por estrangeiros.

Tanta gente assim, além de trabalhar e influenciar a cultura local com seus sabores, odores, hábitos e sotaques, também precisava viver, morar, ter um lugar onde transcorrer as horas de folga com suas famílias. Para resolver essa questão, os próprios fazendeiros apresentaram uma solução, qual seja, construir casas de aluguel que começaram a transfigurar a geografia de São Paulo e garantir a manutenção das fortunas de seus proprietários, já que os imóveis de aluguel propiciavam ganhos maiores do que as aplicações bancárias.

Essas construções de aluguel, bem como as novas e confortáveis residências dos abastados cafeicultores, decoradas com o requinte que o título de barão merecia, marcam uma drástica mudança na arquitetura local até então baseada na taipa de pilão. Com os imigrantes vieram as técnicas de produção de tijolos, que por sua vez permitiam a edificação de construções maiores, mais altas e mais robustas. Os imigrantes também trouxeram para cá suas técnicas de decoração e pintura, que passaram a ser largamente empregadas por escritórios de arquitetura e construção que fizeram a fama no início do século XX, como é o caso de Ramos de Azevedo, responsável pela construção de grande parte dos inúmeros palacetes que passaram a fazer parte da paisagem paulista, bem como diversos edifícios públicos.

A arraigada cidade cresceu e nos diversos bairros que se formaram em volta do centro fundado pelos jesuítas, o que se percebia era um ar de cidade européia, com belas construções em meio à rica vegetação e envoltas pela bruma da manhã que alguns chamavam de garoa e que hoje foi substituída pelas nuvens de poluição.

Mas as transformações na paisagem urbana de São Paulo não pararam por aí e a visão bucólica de uma abastada capital européia aos poucos foi dando lugar ao caos em que atualmente vivemos, com o advento dos automóveis e os inerentes congestionamentos, cujo primeiro registro de que se tem notícia data de 1911, por ocasião da inauguração do Teatro Municipal: 140 automóveis e 150 carruagens se emaranharam nos arredores do Teatro, fazendo com que muitos chegassem com notável atraso ao espetáculo inaugural!

O surgimento do automóvel impulsionou a mudança no traçado de algumas ruas, o alinhamento de quarteirões e sua conseqüente reconstrução, mas foi o concreto armado que transformou essa cidade num pulular de torres de Babel, ensandecidas para atingir o céu, das quais uma das primeiras foi o simpático Edifício Sampaio Moreira, uma jóia da arquitetura Luis XVI e que ainda pode ser visto pelos transeuntes da rua Líbero Badaró, embora com o lustro de seus tempos áureos completamente apagado.

Mas se foi com os dez andares do Sampaio Moreira que São Paulo começou seu crescimento vertical, foi com o Edifício Martinelli que a cidade dos jesuítas marcou seu ingresso no mundo das grandes metrópoles. Imponente no cruzamento da Avenida São João com a Rua Líbero Badaró e a Rua São Bento, ele foi o primeiro arranha-céu da América Latina. Do alto do seu terraço, localizado no 25° andar, era então possível admirar de maneira majestosa a cidade em frenética transformação: novas avenidas, construídas para dar vazão ao fluxo de veículos, inúmeras pontes que cruzavam os rios levando a bairros recém-criados, de modo a acomodar o extraordinário incremento populacional, a construção de residências elegantes em estilo neo-clássico na Santa Cecília, em Higienópolis ou na Avenida Paulista, edifícios comerciais, hotéis, mercados, teatros, escolas e tudo mais que uma cidade precisava ter para entrar para a história como uma das maiores do mundo.

A visão que se tinha, do topo do Martinelli, do vale do Anhangabaú, tão francês quanto a Avenida Champs Elisée de Paris, era de dar inveja a Gustave Eiffel, sobretudo porque, a partir da torre construída pelo engenheiro francês, via-se apenas uma bela cidade, mas não uma serra verdejante coroando o planalto sobre o qual São Paulo foi construída.

Fecho os olhos e consigo me imaginar caminhando por aquele terraço revestido por um singular ladrilho hidráulico, tão em moda na época, e, protegido por uma bela balaustrada, aproximo-me do beiral em direção à Serra do Mar e quase consigo ouvir o barulho da arrebentação das ondas e o sopro de ar gélido vindo do Oceano Atlântico.

Mas não é possível falar do Edifício Martinelli sem falar sobre seu idealizador, um entre tantos italianos de fibra que deixaram sua terra para fazer fortuna nas Américas. Giuseppe Martinelli, que pelos seus feitos assumiria mais tarde o título de comendador, nasceu no ano de 1870 na cidade de Lucca, onde viveu até completar 19 anos. Tinha o desejo de estudar arquitetura, mas suas condições financeiras não lhe permitiram concretizar tal sonho. Partiu então para o Brasil, país que, ontem, como hoje, atraía a atenção do mundo pelo seu insólito crescimento econômico, onde trabalhou como açougueiro e mascate, antes de montar uma importadora, que foi a origem de uma das maiores companhias de transporte marítimo da época. Em cerca de 30 anos de trabalho, sua companhia de navegação possuía uma frota de 22 navios e ele havia conseguido amealhar uma considerável fortuna. Dinheiro, porém, não lhe bastava. Queria deixar para a história um marco, um tributo a São Paulo por tudo aquilo que lhe havia proporcionado e, imbuído de seu espírito empreendedor, decidiu construir no ponto mais nobre da capital paulista o que foi, por diversos anos, o maior edifício da América Latina.

O Edifício Martinelli foi inicialmente projetado para ter 12 andares, mas, impulsionado pelo clamor da população e pelo ego de seu proprietário, acabou, depois de muitas controvérsias e discussões com as autoridades competentes, atingindo 25 andares. No entanto, o comendador queria mais. Ele desejava um edifício com 30 andares e para tanto, para provar ao mundo que sua obra era segura, construiu no terraço do edifício, que chamava a atenção não só pela altura, mas também pela largura, uma vila italiana de 5 andares, onde morou por algum tempo, até ter que vender sua obra para o Governo Italiano, em 1934, de modo a se recuperar das dificuldades financeiras que então enfrentava.

Mais de 600 operários e 90 artífices italianos e espanhóis trabalharam na construção do Martinelli que, para ser erguido, usou cimento importado da Noruega e Suécia pela importadora do comendador. Todo o material de acabamento (lustres, mármores, espelhos, vidros, estuques, elevadores, louças, portas, ferragens e papéis de parede) também foi importado, já que entre 1924 e 1929, período em que o gigante se ergueu, o Brasil ainda não produzia os materiais necessários para dar vida a essa suntuosa obra que teve origem no projeto de um arquiteto húngaro, mas que ao longo das adaptações que a levaram ao céu, teve o comando nas mãos do próprio Comendador Martinelli.

O prédio era um luxo só: granito vermelho no embasamento, falsa mansarda de ardósia no coroamento e corpo central revestido por uma massa rósea composta por vidro moído, cristais de rocha e mica, que o faziam brilhar durante a noite. Tudo isso para fazer com que seus nobres inquilinos, como jornais, clubes (entre eles o Palestra Itália), restaurantes, um hotel, um cinema e a famosa escola de dança do Professor Patrizi, sentissem-se no melhor dos ambientes.

Quem passa pelo Martinelli hoje tem dificuldade em identificá-lo com o Empire State da América do Sul, um lugar por onde passaram autoridades das mais renomadas em nível internacional, como o Prêmio Nobel e inventor do rádio Gugliemo Marconi. Também é difícil imaginar que foi ao seu redor que o Dirigível Graf Zeppelin deu uma volta ao passar por São Paulo, fazendo-o definitivamente entrar para a história, bem como pode ser difícil acreditar que em suas enormes fachadas foram afixados os primeiros out-doores do país (fazendo propaganda de produtos importados pelo comendador, é claro!).

Com a guerra, e a Itália em posição divergente do Brasil, o Martinelli, então de propriedade do Governo Italiano, foi desapropriado em 1943 pelo Governo Brasileiro e daí para frente entrou iniciou um processo de decadência interrompido somente em 1979, quando a prefeitura de São Paulo resolveu adquiri-lo, restaurá-lo e lá instalar alguns de seus escritórios. Nesse meio tempo e com o início da produção de aço no Brasil, matéria-prima necessária para a fabricação do concreto armado, os arranha-céus multiplicaram-se e o Martinelli acabou se tornando vítima da moda por ele mesmo criada, tendo, em 1947, perdido o título de edifício mais alto o Brasil para o Altino Arantes, construído a apenas alguns passos dele.

Hoje em dia, de seu terraço já não é mais possível admirar a bela paisagem do vale do Anhangabaú, adornado pelos pavilhões gêmeos do Conde Prates, os palacetes de Santa Cecília, ou a Serra do Mar. Vêem-se, ao contrário, os telhados de prédios menores e paredões de vidro e concreto construídos por toda parte como que a lhe gritar que sua época já passou. Os transeuntes da região também já não são mais ricas senhoras a caminho das compras na formosa Rua Direita, ou políticos e executivos apressados para o trabalho.

Os tempos são outros, assim como para outro terraço foi voltada a atenção dos paulistanos, desejosos de ver a sua cidade do alto, sem que outras construções lhes interrompessem o horizonte. E quis a história que novamente italianos estivessem envolvidos na construção desse novo ícone. Trata-se do Edifício Itália, localizado na esquina das Avenidas São Luis e São João. Ele não é o mais alto do país, posição ocupada pelo Mirante do Vale, aquele mesmo que empresta sua fachada para a telenovela “Tempos Modernos”. Entretanto, com seus 165 metros de altura e por estar construído numa zona mais elevada do que seu concorrente, faz com que seu terraço se eleve acima de todas as construções da paulicéia desvairada.

A idealização do edifício ficou a cargo da colônia italiana em São Paulo, por meio do Círculo Italiano, cuja sede se localizava no terreno onde foi construído o edifício de 46 andares, 52 mil metros quadrados de área construída, 4 mil janelas e 6 mil metros quadrados de vidros.

A obra tinha que ser imponente, de forma a representar a ascensão social e econômica dos italianos em terras paulistanas, após um difícil início, muito semelhante ao de todos os imigrantes, e que culminou com a transformação desta cidade, deste estado e deste país numa terra não só de promessas, mas de realizações.

Segundo noticia da época, o surgimento do Itália fez com que o perfil urbano de São Paulo fosse alterado de maneira marcante. É como se ele resgatasse para os italianos o passado de glórias do Martinelli, um resgate que até hoje não foi suplantado, já que o Edifício Itália continua a oferecer, depois de 45 anos, a vista mais deslumbrante de uma cidade que não pára de crescer.

E o panorama que se descortina do alto desse tributo deixado pela comunidade italiana a São Paulo aos cidadãos do mundo que queiram surpreender-se com as dimensões da maior cidade sul-americana tornou-se possível também graças à vontade de Evaristo Comolatti, outro italiano de fibra que fez sucesso no setor de peças para caminhões e que ao visitar o terraço do Edifício Itália resolveu construir ali um dos mais charmosos restaurantes italianos do país, permitindo, assim, que São Paulo fosse vista do alto da maneira mais agradável possível. Um espaço projetado por ninguém menos que Paulo Mendes da Rocha e Burle Marx, e que já foi visitado por Elisabeth II da Inglaterra, Indira Gandhi da Índia, Édson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, e inúmeras outras personalidades políticas e do show biz internacional.

Famosos e anônimos, paulistanos ou forasteiros, vidas que se entrecruzam, conforme disse Comolatti, para admirar a partir do Terraço Itália Restaurante o coração e o centro motor da atividade industrial desta borbulhenta terra.

Uma cidade orgânica, como bem colocado por Massimiliano Fuksas, grande arquiteto italiano que, em suas passagens por São Paulo, não consegue deixar de admirar a vida que exala. E um observador atento chega às mesmas conclusões ao observar São Paulo à noite, tomando uma boa taça de vinho, sozinho ou acompanhado, do alto do Terraço Itália: o fluxo de veículos lembra a circulação sanguínea, o acender a pagar de luzes no interior dos edifícios vizinhos faz lembrar um gigante ofegante, cujo sopro se traduz na suave brisa noturna. Quem serão essas pessoas, o que fazem, o que pensam, por quais problemas e vitórias passam?

Ah, São Paulo! A maior cidade japonesa fora do Japão, a maior cidade libanesa, fora do Líbano, a maior cidade portuguesa fora de Portugal e, naturalmente a maior cidade italiana fora da Itália. Metrópole com uma das maiores populações do mundo, com uma das maiores frotas de automóveis e com a maior frota de helicópteros. Local onde mais são vendidas Ferraris, única no mundo a possuir mais que uma loja Bulgari, Tiffany, Cartier... Mal sabia Dom Pedro, às margens do riacho Ipiranga, que aquele momento era apenas a primeiro de tantas grandezas que enobreceriam essa cidade, que não tem o Cristo no alto de um morro, mas que do alto de seus edifícios recebe a todos de braços abertos.

UM ENCONTRO COM UGO CASTELLANA


Sou o tipo de pessoa que não gosta de ser tirada de sua rotina, particularmente no ambiente de trabalho e num momento em que cada minuto desperdiçado pode provocar um acúmulo de problemas. Por essa razão, quando fui chamado pelo diretor do escritório para projetar um vídeo na sala de reuniões, trazido por um senhor que nunca havia visto, ou que pelo menos não me recordava de tê-lo visto antes, disse para mim mesmo: “espero que aquele DVD não me faça caprichos e que eu volte para minha sala com a mesma velocidade com que tentei me livrar desse encargo”.

Entrei na sala e me deparei com um senhor de fino trato, já com seus 80 anos, que falava sobre sua vida para o diretor do escritório e uma colega de trabalho. Cumprimentei-o rapidamente e já me coloquei a arrumar os fios do aparelho de DVD para projetar o tal filme e retornar logo para minhas tarefas. Claro que o DVD não funcionou de imediato e, enquanto tentava descobrir qual o fio apresentava defeito, ouvia as histórias que aquele senhor contava com imenso prazer.

Ele não sabia, mas na época eu tinha colocado na cabeça (idéia que não deixei de lado) que escreveria um livro falando sobre as experiências de vida de pessoas de idade já avançada, mas com tamanha vontade de viver, que chegam a fazer sombra em grande parte da juventude. Então, quando o vídeo finalmente funcionou e fui convidado para continuar por ali, esqueci-me do tempo, dos compromissos e simplesmente me deixei envolver pelas histórias de quem tinha tanto para falar.

O vídeo, rodado em 2005, falava da vida daquele senhor que estava diante de mim, que havia feito fama na Itália como estilista e, a partir dos anos 60, também por aqui, no Brasil. Nasceu em plena Belle Époque, numa casa situada na Via Apia Antica, a estrada que liga a zona portuária ao centro de Roma, um lugar ainda hoje com belos campos e longe do burburinho frenético dos turistas caminhando pelas ruas da cidade eterna. Sua infância foi cercada por mulheres de forte personalidade, entre as quais sua irmã, da qual carrega consigo ternas lembranças. Já da sua mãe, marcou-me o fato de levá-lo com certa periodicidade às casas de pessoas com dificuldades financeiras, para que aprendesse que aquele mundo onde vivia não era compartilhado por todos, razão pela qual, acredito, deveria dar valor ao que lhe era dado.

Anos mais tarde, já adolescente, contrai tuberculose, num momento em que não existia cura para essa doença, contagiosa e que, portanto, obrigara-lhe a certo isolamento (a formação escolástica, por exemplo, teve que prosseguir por meio de aulas particulares). Em busca da cura, foi viver num sanatório na Suíça, onde o clima frio deveria colaborar para a melhora. O clima não ajudou, mas sim a penicilina, descoberta pouco depois e que lhe permitiu viver uma longa e produtiva vida dedicada à moda.

O mundo da moda ele conheceu primeiramente pela mãe, tias e primas, mulheres de grande elegância, segundo suas próprias palavras. Foi, porém, Emilio Schuberth, grande estilista daquela época, cujo nome pode ser comparado ao que é hoje Valentino e do qual sua mãe era cliente, quem o estimulou a entrar para a Accademia della Moda. Convite aceito, começa uma carreira de grande sucesso na Itália, onde, trabalhando primeiramente com Schuberth, exercita seu talento com pessoas de grande importância na sociedade da época, como a Princesa Soraya da Pérsia, as Rainhas do Egito e da Grécia e as divas do cinema, Sophia Loren e Gina Lollobrigida. A convivência com essas pessoas, aliás, fazem-no compreender que os mitos vivem apenas em nossas cabeças, já que os famosos também são de carne e osso e provavelmente mais acessíveis do que aqueles que apenas se acreditam famosos.

Lá pelas tantas, já em seu próprio atelier, confecciona um modelo para uma jornalista brasileira, que faz sucesso com ele em Paris e instiga Nina Ricci, ao vê-lo, a querer saber mais sobre esse jovem talentoso, ao qual lhe propõe trabalhar com ela. O convite foi uma honra, sobretudo numa época em que a França ainda ditava a moda do mundo, não obstante a italiana já começasse a colocar suas mangas de fora. Entretanto, Paris tinha apenas o Sena e não o Tibre e ele não podia viver longe da sua cidade natal.

Tempo depois, o jovem estilista foi convidado a mostrar suas criações durante a 5ª FENIT (Feira Nacional da Indústria Têxtil), em São Paulo. Junto com ele, vieram Valentino e as irmãs Fontana, já muito procuradas pelas divas do cinema internacional, como Audrey Hepburn. Foi ele, entretanto, que causou frisson na imprensa e acabou recebendo proposta de trabalho de uma famosa confecção brasileira e de casamento, por parte da amiga jornalista. Aceitou ambas as propostas e veio morar no Brasil, país que lhe encantava pelas cores intensas, fontes de inspiração.

Não sei bem o que aconteceu com seu casamento, que me parece terminou algum tempo depois. Quanto ao trabalho na confecção da Rua Oriente, para o qual ganhava US$ 2 mil por mês, uma bela retribuição para a época, em poucos meses havia decidido deixá-lo por ter certeza de que não era aquilo que queria fazer, mas sim a alta moda. Começou, então, a trilhar sua nova carreira no Brasil, que não foi tão fácil como a de Roma, já que por lá tinha apoio da família e dos amigos, enquanto que por aqui contava apenas com seu talento.

Embora não tão fácil a empreitada brasileira, aquele senhor cuja história me contava com tanto prazer, agora já sem a presença do diretor do escritório, que havia retornado às suas atividades, deixando-o com minha colega Paola, conseguiu atingir um nível de sucesso que poucos conseguem provar. Talvez usar tecidos brasileiros, enquanto os demais estilistas usavam produtos franceses, tenha sido um grande diferencial. A criatividade, porém, era seu ponto forte e aos poucos foi conquistando a confiança de atrizes como Maria Della Costa e Cacilda Becker, ou cantoras, como Elis Regina, que lhe expuseram na mídia a ponto da mídia querê-lo dentro dela. Nesse momento, foi convidado por Maria Teresa Gregori a participar de seu programa, onde tinha um quadro em que respondia a perguntas sobre moda, que depois o levaram a outros programas, nos quais chegou até mesmo a cozinhar!

E continuei a ouvir àquele senhor que me era cada vez mais familiar, contando sobre seu atelier na Rua Oscar Freire, quando ainda era uma rua residencial. Tratava-se de um espaço com capacidade para receber no máximo 200 e tantas pessoas e, como o público era muito maior na época de lançamento das coleções, com autorização da prefeitura e intervenção dos caminhões das redes de televisão, fechava a Oscar Freire para os grandes desfiles, entre a Bela Cintra e a Haddock Lobo. Uma ousadia para a época, que provocou a inveja de muitas pessoas, a ponto desse atelier, considerado o mais belo da época, ter sido arrombado e roubado. Um prejuízo de um milhão e meio de dólares, que quase levou à falência o protagonista dessa história que tento reportar com fidelidade.

Resolveu que a televisão era incompatível com sua vida, concentrando-se no seu trabalho que era o de fazer homens e mulheres, sobretudo, externarem seus lados glamorosos. Para os homens lançou os primeiros ternos coloridos, bem como adotou o jeans na sua confecção. Já para as mulheres, continuou a criar peças únicas, ora bordadas com sementes, ora com pedras brasileiras, e todas com profundo bom gosto, premiadas no Brasil e no exterior e cujo maior reconhecimento, na minha opinião, foi uma exposição no Museu de Arte de São Paulo, ainda sob a batuta de Pietro Maria Bardi.

Hoje, Ugo Castellana, personagem dessa história, vive parte do tempo no Brasil e parte na Itália. Divide, portanto, a vida entre os campos italianos que tanto lhe faltam e o país que lhe acolheu há exatos 50 anos. Exemplo de vida a ser seguido. Figura que confirma o que um grande amigo, também italiano, me disse há um tempo atrás, ou seja, que a razão da vida é deixar uma marca e Castellana deixou e ainda deixa suas marcas que estimulam quem o conhece a superar problemas e buscar a vitória com galhardia. Agradeço ao acaso por ter-me dado a oportunidade de conhecê-lo.

CARTA A UMA AMIGA

Cara amiga,

Soube da profunda tristeza na qual mergulhou com a partida de seu pai e, desde então, venho pensando em como te ajudar a recuperar a alegria que te era tão característica.

Cheguei hoje à conclusão de que não posso, não tenho como te ajudar, pois alegria ou tristeza não são extrínsecas ao ser humano, não são algo que o mundo exterior faz brotar dentro de nós. Ao contrário, somente nós podemos controlar como as ocorrências do dia-a-dia podem afetar nosso humor.
Se eu colocar na minha cabeça que sou a pessoa mais triste do mundo, o campo mais verdejante vai me parecer um brejo, a flor de cor mais intensa não passará de uma erva daninha, o canto dos pássaros será um barulho incômodo e o sorriso de uma criança não me parecerá outro que um deboche.

Existem pessoas que vivem os mais desafiadores infortúnios e, não obstante, irradiam felicidade (veja o caso de vítimas das enchentes no Rio que, embora tenham perdido a família e os bens pessoais, estão engajados na ajuda aos desabrigados). Trata-se de pessoas que compreendem e aceitam a razão dessas provas que quotidianamente batem às nossas portas: dificuldades financeiras, problemas conjugais, doenças incuráveis, filhos rebeldes e a perda de entes queridos.
Digo tudo isso para que você compreenda que não é a partida de seu pai que te tirou a alegria de viver, assim como não foi o nascimento dos sobrinhos que você tanto ama que te fez um dia uma pessoa feliz. Não, a felicidade contagiante é um dos seus talentos inatos que, no presente momento, apenas não se sente à vontade para invadir o mundo, para provocar os risos que, normalmente, nos levam às lágrimas de tão intensos.

Não chore porque seu pai se foi, mas ria porque ele existiu. Se hoje o peso da saudade parece ser insuperável, compreenda que esse sentimento não existiria se você não tivesse passado por inúmeros momentos agradáveis na companhia paterna.
Não valorize tanto uma perda, que nem mesmo ocorreu, já que a chamada morte tem o poder de levar apenas o corpo físico. Valorize aquilo que tem, que são as lembranças de um pai presente, base de uma bela família que, aliás, continua à sua volta, precisando da sua alegria, para que também possa se sentir alegre.

Seu pai partiu, mas e sua mãe? Ela te carregou no ventre por nove meses, te alimentou, perdeu noites de sono por conta de uma febre mais alta que te afligia, vibrou com suas conquistas, te apoiou nas suas escolhas, te abraçou quando você mais precisava. Bem, hoje é ela que precisa de sua ajuda para superar esse momento difícil, mas também para superar o peso dos anos que já começam a se fazer presentes.
Sua mãe deve ser a razão primária para continuar na batalha, mas não podemos nos esquecer das suas sobrinhas, tão frágeis e tão ligadas a você. Suas irmãs, que são suas melhores amigas e que sempre contaram com você na criação de seus filhos, também não podem ser esquecidas, assim como seu marido, que se beneficia do privilegio de viver com uma pessoa tão feliz, embora hoje se acredite triste.

Se isso tudo não é razão suficiente para você se restabelecer, é importante que você saiba que se você quer tão bem a seu pai, então não pode se deixar levar pelo desânimo, antes de mais nada porque não foi isso que ele te ensinou e, depois, porque a sua infelicidade será sentida por ele que, impotente diante da situação, também ficará infeliz, fazendo com que sua recuperação no mundo espiritual para o qual partiu seja mais lenta. Convenhamos que isso não é justo.
Compreenda que cada indivíduo é protagonista de sua própria história, que poderá ser acompanhada por figurantes, mas jamais vivenciada por eles. Seu pai viveu sua vida e agora segue adiante na sua evolução para, num futuro breve, se reencontrar com vocês.

Viva também a sua vida, que é a de ajudar a quem precisa, a de provocar um sorriso incontido, a de seguir adiante com a força de um gigante. Aja desse modo e sua mãe, imãs, marido, sobrinhos, cunhados e, sobretudo, seu pai vão continuar a se orgulhar do exemplo de pessoa que você é.
Um abraço,

Ronaldo