domingo, 21 de agosto de 2011

MOCINHO OU BANDIDO?

Começo a pensar que há uma inversão de valores nesse Brasil em que vivemos. Normalmente, nas histórias de ficção, há apenas um bandido que faz os mocinhos e mocinhas sofrerem ao longo de páginas e páginas até que, no final, o facínora paga por todos os seus pecados morrendo uma morte violenta, ou sendo encaminhado ao ajuste de contas com a polícia. Pois bem, ocorre que no Brasil parecem existir muito mais bandidos do que mocinhos. Pelo menos é o que se pode inferir a partir da quantidade de denúncias de crimes contra o patrimônio público que há diversas semanas teimam em não sair das primeiras páginas de jornais e capas de inúmeras revistas, sem falar na cobertura da televisão, que é mestra nesse tipo de história folhetinesca. E mesmo que me recusasse em acessar esses veículos de comunicação, fechando-me no mundo cibernético das redes sociais, ainda assim não me veria livre desse tipo de informações, muito comentadas, ainda que de modo extremamente superficial, entre os usuários do Facebook e companhia. Tem tanta notícia sobre roubalheira, que vou propor que só sejam publicadas notícias de falcatruas acima de um certo valor. Senão não se fala de outra coisa.

Isso me faz pensar se não somos nós, os honestos, os verdadeiros bandidos da história. O corrupto está lá, tentando fazer seu trabalho, e constantemente aparece alguém para desviá-lo de sua tarefa. O cidadão nem deseja toda essa exposição na mídia. Só quer cumprir a função para a qual foi eleito, que é a de tomar conta das coisas públicas. Depois, se o dinheiro é público, o corrupto também é dono dele e, portanto, não pode ser acusado de posse indevida. Além do mais, como justamente disse João Ubaldo Ribeiro em sua coluna do Estadão de hoje, prender para que, se vai ser solto logo em seguida? Coisa de honesto invejoso, que reclama por não ter conseguido subir na vida como o corrupto! Preferiu estudar, fazer MBA, mestrado, doutorado, especialização no exterior, quando para ser deputado não é preciso nem saber escrever o nome. Agora agüenta!
Para que perder tanto tempo debruçado em cima de livros? Aliás, não tem corredor de fórmula um por aí se vangloriando que se leu dez livros na vida foi muito? O negócio é por a mão na massa, mesmo que a mão tenha um dedo a menos. Para que estudar, se basta colocar um chapéu de palhaço, fazer uma graça e, em pouco tempo, ser eleito deputado com o maior número de votos da história? Para que perder tempo na escola, se sendo jogador de futebol dá para ficar famoso mais rápido e, com essa fama, ser escolhido para algum cargo público? E se não tiver dotes futebolísticos, basta tentar outro esporte ou, quem sabe, arriscar na carreira musical. Dá na mesma. O sucesso está garantido.
Os professores reclamam que ganham pouco (de pouco mais do que R$ 400 até pouco mais que R$ 1.200) porque não compreenderam esse plano para um Brasil maior iniciado há diversas décadas. Se aprender não está com nada, é lógico que o ofício de ensinar não pode ser valorizado. Depois ainda dizem que o governo não tem coerência com o que faz. Muita injustiça.
No fim das contas, quem deveria ser preso é o honesto, pois é ele quem legitima o corrupto no posto que ocupa. É ou não é? Deveria ser enquadrado no mínimo por crime de formação de quadrilha ou, quem sabe, falsidade ideológica, pois elege o corrupto e depois fica falando mal do sujeito.

No meio desse cenário de filme trash, ainda existem os atores coadjuvantes, que pensam estar fazendo protesto ao votar nulo, ou em branco, quando na verdade, ao fazerem isso, tornam mais fácil a vitória do corrupto, pois o sistema eleitoral brasileiro dá vitória com base nos votos válidos. Isso significa que quem vota em branco também deveria ver o sol nascer quadrado, junto com os honestos.

E o que fazer para mudar os rumos dessa história? Bem, um jornalista outro dia, em poucas palavras, disse que não fazemos nada por sermos habitantes de uma República de Bananas. Escrevemos muito para os jornais, mas não nos unimos para manifestar nosso repúdio contra a corrupção que assola esse país a ponto de acharmos tudo normal. É até engraçado um político ser pego com dólares na cueca, ou afirmar ter ficado rico por ter ganhado na loteria diversas vezes. Chega a ser normal matar o oponente a tiros e depois conseguir eleger o filho presidente da república. É tudo tão normal que o errado parece ser certo. É tudo tão normal que bandido de filme americano, terrorista ou criminoso de guerra, quando conseguem fugir, vêem para o Brasil.
Não sei se somos uma República de Bananas, mas é fato que algo deve ser feito, embora fazer greve de fome, como está fazendo um líder político na Índia, ou tomar as praças, como estão fazendo os espanhóis, conforme exemplos do referido jornalista, não me parece ser o melhor caminho. Se passar fome servisse para alguma coisa, os somalis já teriam conseguido resolver seus problemas. Se ir para as ruas servisse para algo, as diversas passeatas que invadem a Avenida Paulista teriam tido algum efeito, além de transtornar o trânsito ou incomodar a concentração de quem trabalha na região.

Será que a doença desse país, que outro jornalista apelidou recentemente com o nome de um molusco, atingiu um estado assim tão avançado que somente um tratamento de choque, segundo artigo do Daniel Piza, no Estadão de hoje, pode resolver? Provavelmente, sim. Enquanto não faltar comida no prato e o pagode para animar os finais de semana, nada vai mudar. Política antiga, usada desde a época dos romanos: pão e circo para acalmar a turbe. E se não tem pão, como teria dito Maria Antonieta, que o povo coma brioches. O problema é que, ao dizer isso, perdeu a cabeça!
Realmente, esse é o país do futuro, pois com o que temos no presente não podemos fazer muito. Para mudar os governantes, o povo também precisa mudar, instruindo-se para poder julgar, mas também para atuar. Não pode ser normal um país se mobilizar para saber quem foi o assassino de uma trama folhetinesca (e o desfecho nem foi lá essas coisas) e ignorar o assassinato da juíza carioca. Não pode se normal querer saber qual vai ser o ministro da semana a ser levado ao paredão. Não pode ser normal que alguém tenha a profissão de lobista. Não podem ser tidas como normais as coalizões entre partidos para ganhar uma eleição e a posterior retaliação dos cargos públicos como forma de pagamento pelo apoio. Não pode ser normal que um ministro seja escolhido para desempenhar uma função sem qualquer experiência na área (haja visto o deputado advogado, que virou ministro da agricultura, sem nunca ter sequer ocupado cargo de liderança). Não pode ser normal que um partido retire seu apoio porque foi punido por crime de corrupção. Não pode ser normal alguém ser eleito porque, embora roube, faz. Não pode ser normal que somente o câncer continue tirando de cena político safado que abusa da ingenuidade do povo, que ele mesmo ajuda a manter nesse estado.

Ao invés de pão e circo, o povo precisa de livros para aprender a pensar pois, conforme Castro Alves, o livro quando cai n’alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar. Enquanto isso não acontecer, honestos, porém ingênuos vão continuar colocando corruptos no poder e ainda por cima vão ser chamados de bananas. Será que é pedir demais?

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