segunda-feira, 15 de agosto de 2011

MINHA PRIMEIRA INCURSÃO NO JUDAÍSMO

Participei no último sábado, numa sinagoga de São Paulo, de uma cerimônia de casamento que, por ser minha primeira incursão no judaísmo, uma religião cheia de simbolismos, me deixou atento a tudo, a começar pelo sutil convite, antes de ingressar no recinto religioso, para que colocasse um kipá, aquele chapeuzinho no formato de calota esférica e que representa submissão do homem a Deus.

Ao adentrar na sinagoga, a primeira coisa que constatei foi a simplicidade do ambiente, muito espartano e que, por isso mesmo, pode ser comparado a um auditório. Nada de estátuas, pinturas ou qualquer outra representação de santos ou divindades, que inexistem no judaísmo.
As cadeiras eram razoavelmente confortáveis e com cestas dispostas sob as mesmas, onde são apoiados os livros religiosos utilizados nos serviços. O ambiente não era muito amplo, embora alto e protegido por uma abóboda iluminada e decorada com vitrais, que não pude observar muito, com medo de deixar meu kipá cair!

As paredes do altar eram revestidas de mármore e madeira e continham escritas douradas em hebraico, cujo significado eu desconheço. Na lateral do altar, uma tribuna, onde, acredito, o rabino faz a leitura dos textos sagrados nos dias reservados a essa função. Quase na frente dessa tribuna, chamava a atenção para si um gigante castiçal de 7 velas (no caso, lâmpadas). No centro do altar, uma espécie de caramanchão, a chupá, decorado com delicadas flores e um véu branco, sob o qual os noivos receberam as bênçãos do matrimônio. Pelo que pude ler depois a respeito, a chupá representa a reunião de duas almas, inicialmente ligadas e que foram separadas ao receberem os corpos com os quais entraram no mundo material.
Durante os minutos que antecederam a cerimônia, nenhuma música para alegrar o ambiente, como é comum nas cerimônias católicas. De barulho, somente o cochichar das pessoas, em particular dos homem não judeus, comentando sobre o chapeuzinho e sobre a dificuldade de equilibrá-lo sobre a cabeça, bem como do vai-vem de pessoas tentando se acomodar.

O calor se fazia um pouco intenso naquela noite, o que talvez tenha contribuído para deixar todos um pouco impacientes. A cerimônia estava marcada para começar às 19h30, mas somente às 20h00 teve início. Um atraso calculado para que o ambiente já estivesse tomado pelos convidados quando os noivos ali penetrassem.
Uma melodia com som metálico, vinda de um órgão cuja localização não pude identificar, anunciou o início da cerimônia. Abriram-se, então, as portas localizadas no fundo da sala e adentraram primeiro os padrinhos e depois ao noivo, acompanhado de sua mãe. Como num casamento católico, os padrinhos do noivo ficam num lado do altar e os da noiva em outro.

A parte mais interessante desse início de casamento foi o fato do cortejo ter sido acompanhado por um dos dois rabinos que conduziram os trabalhos. Ele entrou logo após o noivo, se não me falha a memória, entoando um belo cântico em hebraico, que tirou a sisudez que até então havia reinado naquele ambiente.
Antes que a noiva entrasse, o noivo foi coberto por uma espécie de xale branco, com bordados em azul celeste. Fui pesquisar e aprendi que se chama kitel. Lembra uma mortalha e serve, entre outras coisas, para recordar que o casamento deve perdurar até a morte.

A marcha nupcial acompanhou a entrada da noiva. Guiada por seu irmão, ela endossava um vestido branco e reluzente, destacado por um belíssimo buquê de copos-de-leite, com flores amarelas e acobreadas. Um longo véu coroava sua cabeça e se derramava elegantemente sobre suas costas para, somente então, acariciar suavemente o chão sobre o qual ela passava com a alegria que lhe é característica.
Como de praxe, o noivo foi até os pés do altar receber a noiva, tento o cuidado de cobrir seu rosto com o véu antes de conduzi-la à chupá. Esse ato simboliza o fato do noivo não estar se ligando à noiva pela sua beleza, obscurecida pelo véu, mas pelo que ela representa como ser humano. Além disso, por ocasião da cerimônia de casamento, o rosto da noiva reflete toda a luminosidade divina, que o véu tem a função de conter de modo a não ofuscar os que lhe estão ao redor.

O aguardar do noivo pela noiva, tradição também adotada em outras religiões, simboliza o fato do casamento ocorrer por anuência dela, que manifesta seu desejo ao ir de encontro ao seu escolhido.
Como disse, a cerimônia foi conduzida por dois rabinos. O que entrou cantando era um Levy, uma espécie de assessor do que ficou o tempo todo sob a chupá, um Cohen, ou sumo-sacerdote.

A cerimônia prosseguiu com a troca de alianças. Primeiro o noivo colocou a aliança no dedo indicador da mão mais forte da noiva e anunciou em voz alta que a recebia como esposa. Então, ela mostrou a todos seu dedo, consumando a união. Em seguida, foi a vez dela fazer o mesmo, pousando a aliança, que representa a união entre os dois, no dedo indicador direito do noivo, que também a mostrou a todos.
Como reza a tradição, os termos da união entre os noivos são especificados num contrato, que o Cohen recita em voz alta, primeiro em hebraico e depois numa versão compacta em português. Nesse contrato, em síntese, o noivo promete prover a noiva de tudo o que lhe for necessário, como alimento, roupas e direitos conjugais. Esse documento é da noiva, que o deve guardar como um bem precioso.

Seguem, então as bênçãos, uma espécie de homilia da Igreja Católica. Nessa ocasião, o rabino destaca características dos noivos, que lhe são complementares. De um lado a noiva tem a fé, que aproximou o noivo de Deus, e de outro o noivo tem a paciência para controlar a ansiedade de sua já esposa.
Lembrou o rabino as palavras de alguém importante, mas cujo nome não me lembro: sou judeu porque aprendi a não mais ter esperanças e sim a esperar. E com essas palavras, aconselha os jovens cônjuges a não se atropelarem em ansiedades, mas a esperar pelo resultado de seus planos a dois.

Nesse momento refleti sobre as semelhanças entre as religiões que, independentemente de seus simbolismos, de seus dogmas, incondicionalmente exortam a união, a paz, a compreensão entre as pessoas. Naquele ambiente estavam presentes católicos, judeus, espíritas, ateus que, apesar de suas crenças ou descrenças individuais, estavam todos ali com o objetivo único de participar da alegria daquele casal. Por que no dia-a-dia as coisas não podem ser daquele mesmo modo, com pessoas compreendendo-se mutuamente, aceitando diferenças e, talvez, vendo nelas oportunidades para crescerem interiormente e ajudando a sociedade a se tornar um ambiente melhor? Provavelmente porque, como em qualquer religião, dentro dos templos somos anjos, mas apenas traspassadas suas portas para o mundo exterior, tornamo-nos figuras irracionais. Coisas da evolução ...
Bem, a cerimônia terminou com a quebra do cálice, que representa muitas coisas, entre as quais a lembrança da destruição do Templo de Jerusalem e a espera de que um dia seja reconstruído. A destruição do templo é algo muito triste para os judeus e deve ser lembrado mesmo nos momentos mais felizes, como é o casamento.

Seguiram-se abraços, música e uma bela festa, que não privou os convidados das músicas tradicionais e do momento em que os noivos, sentados em cadeiras, que representam tronos, são levantados ao ar, pois naquele dia de festa, são considerados reis.

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