Participei no último sábado, numa sinagoga de São Paulo, de uma cerimônia de casamento que, por ser minha primeira incursão no judaísmo, uma religião cheia de simbolismos, me deixou atento a tudo, a começar pelo sutil convite, antes de ingressar no recinto religioso, para que colocasse um kipá, aquele chapeuzinho no formato de calota esférica e que representa submissão do homem a Deus.
Ao adentrar na sinagoga, a primeira coisa que constatei foi a simplicidade do ambiente, muito espartano e que, por isso mesmo, pode ser comparado a um auditório. Nada de estátuas, pinturas ou qualquer outra representação de santos ou divindades, que inexistem no judaísmo.
As cadeiras eram razoavelmente confortáveis e com cestas dispostas sob as mesmas, onde são apoiados os livros religiosos utilizados nos serviços. O ambiente não era muito amplo, embora alto e protegido por uma abóboda iluminada e decorada com vitrais, que não pude observar muito, com medo de deixar meu kipá cair!
As paredes do altar eram revestidas de mármore e madeira e continham escritas douradas em hebraico, cujo significado eu desconheço. Na lateral do altar, uma tribuna, onde, acredito, o rabino faz a leitura dos textos sagrados nos dias reservados a essa função. Quase na frente dessa tribuna, chamava a atenção para si um gigante castiçal de 7 velas (no caso, lâmpadas). No centro do altar, uma espécie de caramanchão, a chupá, decorado com delicadas flores e um véu branco, sob o qual os noivos receberam as bênçãos do matrimônio. Pelo que pude ler depois a respeito, a chupá representa a reunião de duas almas, inicialmente ligadas e que foram separadas ao receberem os corpos com os quais entraram no mundo material.
Durante os minutos que antecederam a cerimônia, nenhuma música para alegrar o ambiente, como é comum nas cerimônias católicas. De barulho, somente o cochichar das pessoas, em particular dos homem não judeus, comentando sobre o chapeuzinho e sobre a dificuldade de equilibrá-lo sobre a cabeça, bem como do vai-vem de pessoas tentando se acomodar.
O calor se fazia um pouco intenso naquela noite, o que talvez tenha contribuído para deixar todos um pouco impacientes. A cerimônia estava marcada para começar às 19h30, mas somente às 20h00 teve início. Um atraso calculado para que o ambiente já estivesse tomado pelos convidados quando os noivos ali penetrassem.
Uma melodia com som metálico, vinda de um órgão cuja localização não pude identificar, anunciou o início da cerimônia. Abriram-se, então, as portas localizadas no fundo da sala e adentraram primeiro os padrinhos e depois ao noivo, acompanhado de sua mãe. Como num casamento católico, os padrinhos do noivo ficam num lado do altar e os da noiva em outro.
A parte mais interessante desse início de casamento foi o fato do cortejo ter sido acompanhado por um dos dois rabinos que conduziram os trabalhos. Ele entrou logo após o noivo, se não me falha a memória, entoando um belo cântico em hebraico, que tirou a sisudez que até então havia reinado naquele ambiente.
Antes que a noiva entrasse, o noivo foi coberto por uma espécie de xale branco, com bordados em azul celeste. Fui pesquisar e aprendi que se chama kitel. Lembra uma mortalha e serve, entre outras coisas, para recordar que o casamento deve perdurar até a morte.
A marcha nupcial acompanhou a entrada da noiva. Guiada por seu irmão, ela endossava um vestido branco e reluzente, destacado por um belíssimo buquê de copos-de-leite, com flores amarelas e acobreadas. Um longo véu coroava sua cabeça e se derramava elegantemente sobre suas costas para, somente então, acariciar suavemente o chão sobre o qual ela passava com a alegria que lhe é característica.
Como de praxe, o noivo foi até os pés do altar receber a noiva, tento o cuidado de cobrir seu rosto com o véu antes de conduzi-la à chupá. Esse ato simboliza o fato do noivo não estar se ligando à noiva pela sua beleza, obscurecida pelo véu, mas pelo que ela representa como ser humano. Além disso, por ocasião da cerimônia de casamento, o rosto da noiva reflete toda a luminosidade divina, que o véu tem a função de conter de modo a não ofuscar os que lhe estão ao redor.
O aguardar do noivo pela noiva, tradição também adotada em outras religiões, simboliza o fato do casamento ocorrer por anuência dela, que manifesta seu desejo ao ir de encontro ao seu escolhido.
Como disse, a cerimônia foi conduzida por dois rabinos. O que entrou cantando era um Levy, uma espécie de assessor do que ficou o tempo todo sob a chupá, um Cohen, ou sumo-sacerdote.
A cerimônia prosseguiu com a troca de alianças. Primeiro o noivo colocou a aliança no dedo indicador da mão mais forte da noiva e anunciou em voz alta que a recebia como esposa. Então, ela mostrou a todos seu dedo, consumando a união. Em seguida, foi a vez dela fazer o mesmo, pousando a aliança, que representa a união entre os dois, no dedo indicador direito do noivo, que também a mostrou a todos.
Como reza a tradição, os termos da união entre os noivos são especificados num contrato, que o Cohen recita em voz alta, primeiro em hebraico e depois numa versão compacta em português. Nesse contrato, em síntese, o noivo promete prover a noiva de tudo o que lhe for necessário, como alimento, roupas e direitos conjugais. Esse documento é da noiva, que o deve guardar como um bem precioso.
Seguem, então as bênçãos, uma espécie de homilia da Igreja Católica. Nessa ocasião, o rabino destaca características dos noivos, que lhe são complementares. De um lado a noiva tem a fé, que aproximou o noivo de Deus, e de outro o noivo tem a paciência para controlar a ansiedade de sua já esposa.
Lembrou o rabino as palavras de alguém importante, mas cujo nome não me lembro: sou judeu porque aprendi a não mais ter esperanças e sim a esperar. E com essas palavras, aconselha os jovens cônjuges a não se atropelarem em ansiedades, mas a esperar pelo resultado de seus planos a dois.
Nesse momento refleti sobre as semelhanças entre as religiões que, independentemente de seus simbolismos, de seus dogmas, incondicionalmente exortam a união, a paz, a compreensão entre as pessoas. Naquele ambiente estavam presentes católicos, judeus, espíritas, ateus que, apesar de suas crenças ou descrenças individuais, estavam todos ali com o objetivo único de participar da alegria daquele casal. Por que no dia-a-dia as coisas não podem ser daquele mesmo modo, com pessoas compreendendo-se mutuamente, aceitando diferenças e, talvez, vendo nelas oportunidades para crescerem interiormente e ajudando a sociedade a se tornar um ambiente melhor? Provavelmente porque, como em qualquer religião, dentro dos templos somos anjos, mas apenas traspassadas suas portas para o mundo exterior, tornamo-nos figuras irracionais. Coisas da evolução ...
Bem, a cerimônia terminou com a quebra do cálice, que representa muitas coisas, entre as quais a lembrança da destruição do Templo de Jerusalem e a espera de que um dia seja reconstruído. A destruição do templo é algo muito triste para os judeus e deve ser lembrado mesmo nos momentos mais felizes, como é o casamento.
Seguiram-se abraços, música e uma bela festa, que não privou os convidados das músicas tradicionais e do momento em que os noivos, sentados em cadeiras, que representam tronos, são levantados ao ar, pois naquele dia de festa, são considerados reis.