terça-feira, 25 de dezembro de 2012

ESPÍRITO DE NATAL


Cresci ouvindo dizer que Papai Noel não existia, que tinha sido inventado por algum mago do marketing, contratado para fazer campanha da Coca-Cola, em cima da história de um velhinho chamado Nicolau, que nunca viveu no Polo Norte, jamais vestiu roupa vermelha e nem mesmo saia por aí num trenó voador encabeçado por uma rena de nariz vermelho chamada Rudolf. Nicolau, na verdade, nasceu e viveu na Ásia Menor, em torno do ano 300, membro de uma família muito rica e com imenso prazer em se doar e em doar o que tinha para quem mais precisava.

Pois é, o bom velhinho, que traz presentes na noite do dia 24 de dezembro para as crianças que se comportam durante todo o ano, bem, esse – tapem os ouvidos os mais crédulos – sinto informar, mas não existe mesmo. E se não existe lá no hemisfério norte, com frio suficiente para usar aquelas roupas que causariam revolta aos mais ferrenhos defensores da causa dos animais (alguém já reparou que a roupa do Papai Noel da Coca-Cola tem acabamento feito com pele arminho?), imaginem aqui nos trópicos, com calor de 36°C à sombra. Aliás, arrisca desidratação e perda dos sentidos quem se atrever em usar por aqui esses modelos que não passam de verdadeiras saunas ambulantes.

Mas se não existe esse tipo de Papai Noel midiático, cuja imagem a gente adora explorar nesse período do ano (eu mesmo, se tivesse que pagar direitos de imagem, estaria com uma dívida do tamanho do mundo, já que tenho pelo menos uns 20, de diversos tamanhos e formatos, que costumam decorar a casa quando resolvo encarar essa tarefa), existem outros seres, de carne e osso, tão bonzinhos ou mais e que fazem a gente pensar se vale à pena dedicar tanto espaço de nossas mentes com seres imaginários, se os verdadeiros bons velhinhos e jovenzinhos, homens e mulheres, ricos ou pobres, invariavelmente no anonimato, fazem um fantástico trabalho baseado exclusivamente na solidariedade.
Isso mesmo, solidariedade é o que move essas pessoas, pertencentes às mais diversas classes sociais e que fazem o que fazem não para ganhar reconhecimento público das suas obras, mas simplesmente por achar correto e necessário fazer o bem, dentro daquela máxima de que cortesia gera cortesia.

Trata-se de gente que não espera pelo Governo para que as coisas que devem ser feitas sejam feitas, que não espera pelos outros para por a mão na massa, que não aguarda uma pausa nos compromissos para fazer o bem. Fazem tudo porque gostam, porque não conseguem estar em paz vendo alguém ao lado passando mal e, isso tudo – morra de inveja Papai Noel midiático – 365 dias por ano e não apenas na véspera do Natal.

Eu mesmo conheço inúmeras pessoas como essas e, recentemente, há cerca de duas semanas, tive o prazer de conhecer mais duas. Gente simples, mas nem por isso menos importante, com histórias de vida e obras sociais construídas no anonimato e que, aos poucos, foram ganhando a ajuda de várias pessoas, igualmente desinteressadas da fama, permitindo-lhes ampliar cada vez mais suas correntes de boas ações.

Uma delas, chamada Jovaneide Freire, lá pelas tantas, já há muito realizando ações sociais, recebeu uma doação anônima de R$ 100 mil e, com esse dinheiro, resolveu abrir uma casa de apoio para crianças em tratamento contra o câncer, ou transplantadas, vindas de diversas localidades do país e onde recebem abrigo, alimentação, medicamentos (quando não fornecidos pela rede pública de saúde) e transporte aos hospitais nos quais realizam seus tratamentos. Ficam lá, na companhia de um parente, pelo tempo que for necessário, um total de 40 crianças.

As instalações são simples, mas dignas e sem as quais essas crianças não poderiam fazer o tratamento de que necessitam. Além disso, na convivência com outras crianças que passam por problemas semelhantes, de algum modo sentem-se mais aliviadas.
A casa se chama Centro de Apoio à Criança Carente com Câncer “Candida Bermejo Camargo” (www.centrocbc.org.br) e fica localizada nas imediações do Cemitério da Paz, não muito longe do Portal do Morumbi.

Caminhei por lá, guiado por uma das estagiárias, que me mostrou as instalações, apresentou-me a algumas crianças (uma delas, judiação, com câncer nos olhos) e me fez ver que é possível ser feliz mesmo em dificuldade, pois não me pareceu ver naqueles rostinhos nenhum sinal de ressentimento, ou revolta, contra a situação pela qual passavam crianças, desde bebês até adolescentes e, em alguns casos, também adultos (a casa é para atender crianças, mas como negar ajudar a um adulto que também precisa?).

Fiquei feliz por contribuir, junto com um monte de amigos do bem, ainda que minimamente, com sacolinhas de Natal para quase todas as crianças ali hospedadas e que mal podiam esperar a hora de abrir seus presentes, compostos por uma troca completa de roupa, um calçado e um brinquedo. Tudo comprado com carinho, como se fosse para alguém da família, ainda que para pessoinhas cujos rostos a maioria desses colaboradores poderá ver somente em fotografias.

Bem, a segunda Mulher Maravilha desta véspera de Natal e que coloca Papai Noel no chinelo, chama-se Iraci Gomes, ou simplesmente Ira. Sobre sua vida privada, na verdade, fiquei sabendo muito pouco. Apenas que é casada e que possui uma filha e três (ou serão quatro?) netos para lá de ativos, todos habitantes de uma simpática casa situada em Carapicuiba.

Eu a conheci por intermédio de uma instituição de Osasco que ajudo há diversos anos, também doando sacolinhas de Natal, montadas com a colaboração de amigos e colegas de trabalho. Pois bem, quando entrei em contato com essa instituição este ano, já haviam providenciado todas as sacolinhas de que necessitavam, de modo que me encaminharam para a Ira, que faz um belíssimo trabalho assistencial junto à comunidade da Boracéia, em Carapicuiba, e que também prepara sacolinhas de Natal para as crianças que consegue cadastrar.

O cadastramento é muito simples. Com base na quantidade de sacolas que se consegue recolher no ano anterior, Ira marca um dia para o pessoal da comunidade – que procura ajudar ao longo do ano com doações que recebe de amigos e também de desconhecidos – ir até sua casa retirar as senhas (seria ótimo ajudar a todas as crianças, mas infelizmente, é gente demais e donativos de menos, razão da instituição das senhas). Conta ela que se marca às 08:00, já de madrugada tem gente na porta da casa, para não perder a oportunidade.

Para os que não conseguem pegar a senha, fica a promessa da distribuição de uma nova quantidade, caso seja possível sensibilizar mais doadores. E foi o que aconteceu neste ano por duas vezes, ou seja, uma primeira distribuição de 150 senhas, seguida por outras 80 e, por fim, mais 50 senhas, num total de 280. Parece bastante e é mesmo, mas esse número consegue contemplar cerca de 20% das crianças da Boracéia.

No dia que chamei a Ira para pegar as sacolinhas, eu a acabei acompanhando até sua casa, pois seu carro não era suficientemente grande para carregar tudo numa só viagem. Chegando lá, ela me perguntou se gostaria de visitar a comunidade onde vivem as crianças que seriam presenteadas, convite que aceitei prontamente.

Confesso que não fiquei chocado com o que vi, pois já havia visto coisas do gênero. Entretanto, não pude deixar de ficar condoído pela forma como aquelas pessoas vivem. O local margeia um córrego que mais parece um esgoto aberto, com um cheiro ácido que queima minhas narinas só de lembrar.

Havia lixo transbordando das caçambas colocadas nas entradas da comunidade, que a prefeitura coleta muito raramente, pois, segundo ela própria, seria necessário um caminhão de lixo somente para atender a Boracéia e, como possui apenas três, fazia a coleta a cada 2 ou 3 semanas, ou quando dava.

Que tristeza ver as crianças descalças, caminhando por línguas escuras escorrendo sobre o chão de terra batida. Não obstante, pareciam felizes e talvez contribuísse para esse sentimento o total estado de alienação estampado nas caras dos adultos, conversando na porta de suas “casas”, como se estivessem numa cidade do interior do nordeste, de onde a maior parte deles provinha.

Mas se a alegria das crianças parecia não se abalar pela situação em que viviam, o mesmo não aconteceu no dia em que receberam as sacolinhas de Natal. Enquanto aqueciam seus motores, comendo cachorro-quente e algodão doce, na festinha preparada por Ira e seus ajudantes (muito mais prestativos do que os duendes do Papai Noel), olhavam curiosos para as sacolinhas (com meus amigos, contribuí com 129!), tentando adivinhar qual seria a sua. E, quando receberam seus presentes, não puderam conter um sorriso espontâneo e um apreço indescritível pelo que estavam ganhando.
  
Pois é, Papai Noel de mentirinha, você até que tenta cumprir seu dever e fazer as pessoas felizes, mas seus domínios se restringem a uma vitrine bem montada, a um comercial de televisão, ou a um filme encenado por alguma estrela de Hollywood que tenta resumir o espírito de Natal a uma troca de presentes.

O Natal, entretanto, é bem mais que troca de presentes. É a personificação da solidariedade que algumas pessoas conseguem externar todos os dias do ano, silenciosamente, valentemente, só porque o coração manda.

10 comentários:

  1. Ronaldo, acredita sinceramente que a solidariedade conspira a favor de quem quer ajudar...depois te conto a tamanha coincidência. Estou ainda mais feliz por saber qual é a Casa para onde foram as doações. Incrível! Parabéns, Papai Noel Ronaldo! Belo trabalho e conte conosco no próximo Natal novamente! Abraço. Sandra

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ainda aguardo vc me contar qual é a coincidência. Abraços!]

      Excluir
  2. Seria muito bom e interessante se existissem outros "Ronaldos" para desenvolver esse trabalho.
    Parabéns Ronaldo
    Noslen

    ResponderExcluir
  3. O trabalho é da Iraci, da Doralice, da Rosângela, da Jovaneide e de seus colaboradores. Nós apenas contribuimos com a rede de relacionamentos.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns, Papai Noel! Fico feliz conhecer pessoas como você.
    Conte comigo!
    Abraços,
    Magda

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu sou apenas um duende, como os tantos outros que colaboraram. Os verdadeiros papais noel são aqueles que prestam assistência à essas comunidades durante o ano todo e não apenas nas datas especiais. Até!

      Excluir
  5. HISTORY OF ALFREDO DI LELIO CREATOR OF “FETTUCCINE ALL’ALFREDO”
    With reference of your article we have the pleasure to tell you the history of our grandfather Alfredo Di Lelio, creator of “fettuccine all’Alfredo” (recipe in the world known).
    Alfredo di Lelio opened the restaurant “Alfredo” in 1914 in a street in the center of Rome, after leaving his first restaurant run by his mother Angelina in Piazza Rosa (Piazza disappeared in 1910 following the construction of the Galleria Colonna / Sordi). In this local spread the fame, first to Rome and then in the world, of “fettuccine all’Alfredo”.
    In 1943, during the war, Di Lelio sold the restaurant to others outside his family.
    In 1950 Alfredo Di Lelio decided to reopen with his son Armando his restaurant “Il Vero Alfredo” in Rome, Piazza Augusto Imperatore n.30, which is now managed by his nephews Alfredo (same name of grandfather) and Ines (the same name of his grandmother, wife of Alfredo Di Lelio, who were dedicated to the noodles).
    See also the site of “Il Vero Alfredo” http://www.alfredo-roma.it/.
    We must clarify that other restaurants “Alfredo” in Rome do not belong to the family tradition of “Il Vero Alfredo” in Rome.
    We inform that the restaurant “Il Vero Alfredo” is in the registry of “Historic Shops of Excellence” of the City of Rome Capitale.

    Best regards Alfredo e Ines Di Lelio

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grazie! Gentilissimi! La prossima volta che vengo a Roma passo a ringraziarVi personalmente. Ho già provveduto a correggere l'indirizzo del sito, effettivamente incorretto. Con l'occasione Vi auguro un eccellente 2013.

      Excluir
  6. Obrigada Ronaldo por me dar esta oportunidade de ajudar com um pouquinho... se cada um fizesse seu "pouquinho" o mundo seria realmente um paraíso. Obrigada e conte sempre comigo! Abraços Erika Aquino Costa

    ResponderExcluir
  7. As crianças que agradecem, Erika. Como disse, cada um fazendo um pouco, a gente muda o país. Ano que vem tem mais e pode ter certeza que vou te chamar!

    ResponderExcluir