domingo, 21 de julho de 2013

PARÁBOLA DO SEMEADOR

Enquanto caminhava por terrenos de geografia bastante variada, o semeador ia jogando suas sementes aqui e ali, sem se preocupar se o terreno era adequado ou não para o plantio. Algumas sementes caiam ao longo do caminho, formado por terra dura, pisada e quase tão sofrida como algumas almas, que se recusam a receber qualquer coisa do mundo, por acharem que o mundo não lhes têm nada de bom a oferecer. Nessa terra, as sementes não germinavam e, alvos de pássaros vorazes, eram devoradas impiedosamente, como as palavras de paz e amor que líderes espirituais e pessoas de boa índole derramam sobre a humanidade sem que consigam penetrar em corações fechados, sendo facilmente devorados pelas vozes das paixões.

Há sementes, porém, que caem em terreno pedregoso, com pouca terra, mas que, embora com dificuldade, acabam germinando. Entretanto, sendo a terra muito rala, as raízes das jovens plantas não têm onde buscar os nutrientes necessários para que cresçam fortes e vigorosas e, diante do sol causticante do meio-dia, ou da enxurrada do verão, acabam morrendo. Esse solo ralo lembra aquelas pessoas que ouvem a palavra de Deus e por ela até se sentem sensibilizadas. Entretanto, diante da primeira prova, da primeira dificuldade, deixam de lado o entusiasmo e voltam para a vidinha insossa, às vezes com momentos de alegrias e às vezes com momentos de infinita tristeza, retardando o ingresso no mundo de verdadeira felicidade.

Outras sementes são deixadas pelo semeador em terreno fértil, mas no qual devem competir para crescer com as sementes de ervas daninhas que, como as chamadas marias-sem-vergonhas, nascem por tudo quanto é canto, sufocando as sementes do bom semeador. Esse terreno lembra aquelas pessoas que já têm um certo preparo e que compreendem bem a palavra de Deus. Entretanto, não podem por em ação os bons pensamentos que lhes são inspirados, ou as boas palavras que elas mesmas leem nos livros de auto-ajuda, pois não possuem tempo, porque suas posições não lhes permitem ser caridosos, porque a rotina lhes consome até o ponto de serem obrigados a parar e refletir sobre o rumo de suas vidas, para então livrarem-se das ervas daninhas que infestam os jardins de suas mentes.

Por fim, o semeador deixa cair sementes em terreno bom, arado e adubado. Nesse terreno, as sementes germinam, crescem e, lá pelas tantas, começam a dar frutos, que alimentam e cujas sementes, caindo em bom terreno, transformam-se em outras plantas, sendo algumas mais frutíferas e outras menos, assim como as almas de boa índole que, ao ouvir a chamada palavra da salvação, segundo a capacidade de compreensão de cada uma, devolvem para a sociedade comportamentos que refletem diferentes graus de elevação, mas todos igualmente cristãos.


E assim somos nós, almas que nascem encrudelecidas, terrenos inférteis, mas que, com a ajuda constante do semeador Jesus e de seus discípulos, aos poucos vamos afofando a terra de nossos corações, afastando as pedras do caminho, retirando as ervas daninhas de nossas mentes e, sob a luz do Evangelho, adubando nossos seres e favorecendo o crescimento da árvore da razão, que nos faz ficar cada vez mais próximos do criador, acendendo dentro de nós a chama divina e contribuindo para a iluminação do planeta em que vivemos.

UM HOMEM E MUITAS IDÉIAS

Depois de falar sobre o Comendador Martinelli, que construiu em São Paulo o primeiro arranha-céu do país, sobre Ugo Castellana, que trouxe o conceito de alta costura para o país e sobre Emilio Romi, instigante personalidade que do nada construiu uma das maiores indústrias metalmecânicas do país, para não falar do Romiseta, um dos primeiros automóveis fabricados no Brasil, quando me incumbi de escrever sobre Victor Civita para a edição de 2013 da Itália em São Paulo, tinha em mente, naturalmente, desvendar mais uma personalidade intrigante que deixou a Itália para ajudar a construir São Paulo.
Para tanto, comecei a maquinar como chegaria a seus filhos e netos, de modo a saber um pouco sobre esse italiano, na verdade nascido em Nova York, sobre as razões que o fizeram vir para o Brasil e sobre as origens de um dos maiores grupos editoriais e de educação da América Latina, com faturamento anual da ordem de 3 bilhões de reais e mais de 9 mil funcionários.
Foi aí que me dei conta que conhecia seus filhos desde a infância, como ninguém, já que havia crescido com eles. Não, não me refiro a Roberto, que encontrei en passant em certo evento social, ou a Richard, cuja existência, confesso, fiquei sabendo há pouco tempo. Refiro-me sim às inúmeras obras editadas pela Abril e que me acompanham desde muito pequeno, antes mesmo que fosse iniciado no universo da leitura.
Revirar a memória em busca dos encontros com esses filhos de Civita me traz lembranças de inúmeros momentos agradáveis, pois numa época em que TV a cabo, computadores, internet e congêneres só existiam na mente de Júlio Verne, HG Wells e outros visionários de plantão, para viajar sem sair de casa ocorria mergulhar em tantos livros quanto o tempo e a vontade permitissem. E como eu tinha vontade de viajar!
Meu primeiro contato com uma obra da Abril deu-se com uma colação de discos de vinil, acompanhados de livrinhos ilustrativos e que contavam diversas histórias da literatura infantil, encenadas pelos personagens da Disney. Nem sei quantas vezes ouvi aqueles discos, cujo fim eu igualmente desconheço. Só sei que muitas dessas histórias ficaram de tal maneira gravadas na minha memória e com uma incrível riqueza de detalhes que, muitos anos depois, quando pude assistir pela primeira vez a muitos dos desenhos animados que contavam as mesmas historinhas infantis, tinha a impressão de estar vendo algo que já tinha visto antes.
E foi assim que fui primeiramente apresentado aos Irmãos Grimm, a Hans Christian Andersen e a Lewis Carroll para, em seguida, com a mesma voracidade e já sabendo ler, atacar as histórias de Monteiro Lobato (numa época em que Tia Anastácia era apenas a personagem que fazia os melhores quitutes do planeta e não objeto de lutas raciais) e uma séria de lendas que permeiam a cultura brasileira.
Mais ou menos na mesma época, caíram nas minhas mãos uma série de manuais, cada um especializado num assunto, todos com histórias vividas por personagens da Disney. Alguns desses livros eu ainda tenho, como o Manual do Professor Pardal, que tratava de invenções e inventores, do Manual do Peninha, que falava sobre a profissão de jornalista, do Manual do Tio Patinhas, que falava sobre grandes fortunas, naturalmente, ou do Manual da Maga Patalógica e da Madame Mim, que discorria sobre histórias da mitologia universal.
Lendo esses livros infantis, sem falar nos gibis, muitos dos quais contando histórias – não só com personagens Disney, mas do Maurício de Souza também –dos grandes clássicos da literatura universal (recentemente reeditados), tomei gosto pela literatura e cada livro que aparecia na minha casa, folheava com o cuidado que se tem por um irmão mais novo.
Foi assim com a coleção Gênios da Pintura, obra que detalha a vida de mestres da pintura universal, cujos trabalhos tive o prazer de conhecer pessoalmente anos depois, mas também com Os Bichos, através da qual conheci dos mais bizarros, aos mais comuns animais, com Grandes Personagens da Nossa História e Grandes Personagens da História Universal, que retratam em imagens e textos a vida de inúmeros personagens que construíram o mundo em que vivemos, com Os Economistas, obra que me apresentou aos pensamentos de Adam Smith e sua Riqueza das Nações, ou ao Manifesto, de Karl Marx, ou ainda, com Nossas Crianças, literatura para adultos aprenderem a lidar com crianças e que me chamava a atenção pelas hilárias tiras da Mafalda.
“Bendito o que semeia livros e manda o povo pensar”, trecho de um poema de Castro Alves e que resume bem o trabalho desse italiano visionário, fazedor e resolvedor de problemas, conforme era descrito por funcionários, colaboradores e parceiros.
Não chegou no Brasil com uma mão na frente e outra atrás, como aconteceu com inúmeros imigrantes, de diversas origens e que ajudaram a construir este país. Na verdade, contava com polpudos 500 mil dólares de recursos próprios (tanto pai, quanto a mãe tinham origens abastadas), além de empréstimos que levantou na praça e outros conseguidos por meio de sociedade com importantes grupos da época. Sua condição financeira, porém não lhe tira o brilho de ter empreendido um negócio num país que lhe era totalmente estranho, da língua aos costumes, e num segmento que depende do gosto pela leitura que, convenhamos, nem mesmo hoje está enraizado entre os brasileiros.
O fato é que o homem parecia não perder uma boa oportunidade e, num encontro que teve com seu irmão mais velho, durante férias que passavam na Itália (àquela altura, deixando para trás o caos da Guerra, os Civita já não mais viviam na terra natal), escutou com atenção a experiência dele com uma editora, chamada Abril, que havia aberto na Argentina. O empreendimento nasceu da experiência de César no ramo, adquirida quando ainda morava na Itália, onde trabalhava numa das maiores editoras italianas, a Mondadori, e onde se tornara responsável pela versão italiana das revistas Disney. Ora, com a eclosão da Guerra, no final dos anos 30, procurou por Walt Disney, nos Estados Unidos, e obteve dele licença para publicar suas revistas na América do Sul.
Conversa vai, conversa vem, e César afirma que andava meio desconfiado dos rumos da política na Argentina, com a ascensão de um certo líder populista, com perfil bastante semelhante ao de outros líderes populistas que levaram a Europa à Guerra, o que lhe fazia ter vontade de abrir o mesmo negócio no país vizinho, que lhe parecia promissor.
Essas palavras soaram como música para Victor, que interrompeu suas férias e voou imediatamente para Buenos Aires conhecer a tal Editorial Abril e, em seguida, para o Rio de Janeiro e São Paulo, que lhe pareceu mais simpática e próxima dos centros cosmopolitas onde estava acostumado a viver (primeiro Milão e depois Nova York), decidindo ali se estabelecer (apesar de conselhos contrários, em virtude da falta de jornalistas, de artistas gráficos e uma série de recursos que a acanhada província de então não dispunha).
Tudo muito rápido, como deve ser no mundo dos negócios, e em cinco meses a família estava estabelecida no centro de São Paulo (mais precisamente no Hotel Esplanada, edifício hoje ocupado pela sede do Grupo Votorantim), muito próxima do endereço, na Líbero Bararó, escolhido para acolher a Editora Abril, que no dia 12 de julho de 1950 publica o primeiro número de O Pato Donald (cheguei a ter uma reedição desse primeiro número, que contava a história do Segredo do Castelo, um clássico!).
Rapidamente, como o nascimento da Abril, O Pato Donald já era a revistinha mais vendida do país e, no seu rastro, seguiram-se outros títulos infantis, mas também as fotonovelas e, já nos anos 1960, em meio ao nascimento da indústria automobilística brasileira, uma publicação dedicada ao setor. Trata-se da Quatro Rodas.
Mas o sucesso não para por aí e, ao perceber o crescimento da classe média, resolveu lançar os livros em fascículos. Novamente, foi desaconselhado e, novamente, contra todos, resolveu seguir seu instinto, deixando para seus diretores apenas a opção de lançar uma enciclopédia, sua primeira opção, e uma edição da Bíblia Sagrada, de criação da italiana Fabbri e intitulada A Bíblia mais Bela do Mundo. Os diretores optaram pela Bíblia, que vendeu mais de 150 mil cópias, deixando a enciclopédia para um segundo momento. Pois bem, a enciclopédia era a Conhecer (fecho os olhos e me vejo debruçado sobre esses livros, fazendo meus trabalhos escolares), publicação que bateu a marca dos 500 mil exemplares. Que tino para os negócios tinha esse homem!
Tudo lhe parecia possível e, ao propor a seu filho mais velho a criação de uma cadeira de hotéis turísticos, ouviu uma negativa, que ignorou e hoje temos a cadeia de hotéis Quatro Rodas. É verdade que não sabemos nada sobre hotéis, disse ao filho, mas também é verdade que o Nick Hilton não sabia nada sobre esse assunto quando resolveu abrir sua cadeia de hotéis. Também notou que no país não haviam armazéns refrigerados e, mais uma vez, lançou-se no escuro, com o mesmo sucesso das demais empreitadas.
Via oportunidade em tudo. Se notava que algo não existia, ao invés de pensar que  não existia porque não havia mercado para aquilo, preferia pensar que não existia porque ninguém havia tido aquela ideia antes.
Claro que empreendedorismo sem dedicação não geram sucesso e Civita pode ser considerado o ídolo dos perfeccionistas. Chegava cedo, saia tarde, tinha a mesa impecável e incrível atenção nos detalhes, do layout aos textos que seus editores preparavam, sem deixar passar um erro ortográfico (e o português não era sua primeira língua!).
Achava que tinha que educar o povo, que com o gosto pela leitura, compraria mais livros, fascículos e revistas, de uma série que, atualmente, passam pelo campo do entretenimento, da moda, da decoração, da política e dos fatos quotidianos, do turismo, do automobilismo, dos negócios e por aí vai. Com essa ideia na cabeça de educar, criou uma Fundação, que leva seu nome e que tem por missão “contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil, produzindo conteúdo que auxilie na capacitação e valorização de professores e gestores e influencie políticas públicas”.
Alguém pode se questionar: tinha que ter feito isso? Tinha que ter destinado após a morte todo o seu patrimônio em dinheiro, imóveis e ações (aos filhos deixou as empresas, pois achava que se não conseguissem sobreviver delas, não eram dignos de as receberem ) para essa fundação? E eu respondo, não tinha. Educação ainda é uma das prerrogativas do governo. Entretanto, já que o governo não faz, ou pelo menos não como deveria fazer, Civita resolveu prestar seu auxílio e, talvez por isso mesmo, tenha definitivamente gravado seu nome na história deste país. Deixou sua marca e confesso que, ao saber que havia morrido, senti um certo aperto, como se tivesse perdido alguém muito próximo e que, de fato, de certo modo me foi muito próximo.
Numa das obras editadas por sua empresa e por ele prefaceadas no longínquo 1969, faz citação a Monteiro Lobato e lembra que um país se faz com homens, livros e, adiciona Civita, exemplos. Nesse mesmo texto, exalta a jovem nação brasileira, de proporção continental, tão assoberbada de problemas quanto acumulada de riquezas, e afirma que o Brasil deve sua grandeza, sua liberdade e projeção internacional à ousadia dos bandeirantes, à fé dos catequistas, ao idealismo dos inconfidentes, à sabedoria dos legisladores e à inteligência, coragem e dedicação dos seus soldados, diplomatas e artistas. É o exemplo dessas personalidades, continua, que desejo projetar no futuro das gerações, como lição e incentivo. Creio ter ele cumprido sua missão.