sábado, 5 de dezembro de 2020

Diário de viagem Paris, India, Nepal, Austrália e Estados Unidos - Dia 3


O dia começa com chuva e eu, meio preocupado, retardo ao máximo sair do hotel, esperando que ela dê trégua. Agora às 07:40, já não ouço mais a água escorrendo pela calha. Vou me preparar correndo e aguardar Wilma e Beto para irmos à casa de Monet.

Eles foram quase pontuais. Os cinco minutos de atraso me ajudaram a não fazer vexame. Assim que chegaram, fomos diretamente para a estação École Militaire do metrô e, de lá seguimos para A Estação de Trens de St. Lazare, de onde seguimos par Vernon e, de lá, para Giverny.

Muito bonita a estação de trens, com um mini shopping rico de lojas bens bacanas e que, no Brasil, são tidas como marcas de luxo. Na França, porém, são apenas boas marcas.

O trem da ida foi pontual e, em menos de 1 hora, que nem vi passar, já que conversei o tempo todo com Wilma (menos com o Beto), chegamos a Vernon, cidadezinha onde o tempo parou. Poucas lojas, uma feira livre, nenhum restaurante charmoso, dois hotéis fechados (baixa estação?), mas com uma igreja medieval e alguns edifícios em clássico estilo normando muito bonitos.

Achei um pouco cara a passagem de trem. Foram 14 euros para ir e mais 14 na volta. Chegando em Vernon, gastamos mais 5 euros para ir a Giverny e mais 5 para voltar de lá. De qualquer modo, valeu.

O tempo em Vernon, assim como em Giverny, que dista 5 minutos de ônibus, estava bem mais firme do que em Paris. Na verdade, o céu estava aberto e o sol nos sorriu quase todo o tempo, tornando mais vibrantes as cores das flores do Jardim de Monet.

Esse Monet se tratava bem e tratava bem seu jardim e casa. Lugares agradáveis e que, sem o barulho de carros a passar na estrada em frente ao portão principal, inexistentes à época de Monet, é extremamente agradável. 

Os jardins são replantados constantemente, é claro, para que permaneçam sempre floridos. Não importa. Caminhar por aquelas alamedas foi como fazer uma viagem no tempo, como se a qualquer momento Monet fosse aparecer agachado em algum arbusto, cortando-lhe as folhas secas, ou passeando nos barquinhos atracados num dos lagos da casa, muito bem retratados em dois de seus quadros, hoje pertencentes à coleção do Masp.

Dentro da casa, o destaque fica todo para o ateliê do pintor, com reproduções de cerca de 60 telas, acomodadas sobre as paredes tal como as deixava e tal como se pode ver em uma foto feita quando ele ainda lá habitava.

Queria ter comprado algum livro, mas desisti, pois o peso é grande e o preço também. Aliás, tudo na França custa muito, desde um café até qualquer coisa que se possa imaginar. Um par de tênis de corrida não sai por menos de 130 euros, mas alguns modelos custam até 180, valores bem acima dos praticados no Brasil, que já é considerado um país caro.

Uma coisa que gostei e que não sei se já havia visto são os pianos instalados em locais públicos, onde qualquer um pode se divertir e agradar os transeuntes com sua melodia. Meu primeiro encontro com um deles foi na estação de St Lazare e o segundo, dois dias depois, no Aeroporto, na espera do voo para Viena.

A permanência em Giverny foi rápida. Acredito não ter ficado ali mais do que 3 horas. Queria ter almoçado num dos restaurantinhos de lá, mas Wilma achou que eram um pouco turísticos, apesar de charmosos, e então seguimos de volta a Vernon, onde não encontramos nada que valesse à pena e acabamos comendo em qualquer lugar.

Apesar de pouco simpático o local do almoço, o que comemos não foi das piores iguarias. Pedimos um cassoulet e uma taça de vinhos. Não sabia bem o que era o cassoulet, mas acabei gostando. Trata-se de uma espécie de lasanha, onde fatias de batata cozida ocupam o lugar da massa. Entre uma camada e outra, pedaços de queijo. Também queijo por cima, devidamente gratinado. Ótima combinação!

O vinho não foi dos melhores, mas deu para o gasto, assim como o cafezinho para acordar e dar ânimo para uma caminhada ente as casas da vila, imaginando como seria e quanto custaria morar por lá. 

O trem de volta atrasou 27 minutos e acabamos tomando mais um café e conversando com um simpático casal que Wilma e Beto haviam conhecido no vôos de vinda do Brasil e que, por uma dessas surpresas da vida, eram pais do presidente do Facebook para a América Latina.

Já em Paris, compramos uma bobagenzinha numa loja de produtos de design da St Lazare e seguimos para o centro, por onde caminhamos por umas duas horas, até chegarmos em algum ponto perto da Place de la Concorde. Queríamos seguir a pé até nossas casas, mas o cansaço nos venceu e resolvemos pegar o metrô. No meio do caminho, passamos em frente à Ópera e paramos para que eles comssem algo numa interessante loja chamada Prêt-a-Manger. A comida, orgânica é feita na loja, quase pronta para ser consumida. Eu não provei, mas a decoração era fantástica. 

No hotel, meio cansado, comi algo comprado num Carrefour antes de terminar minha ronda. Nada romântico, mas muito prático e econômico.

Dormi sem grandes dificuldades, mesmo com o elevador grudado no quarto, pois estava extremamente cansado. Dormi bem.

sábado, 21 de novembro de 2020

A HISTÓRIA DE UM LIVRO QUE SE ASSEMELHA À HISTÓRIA DE CINDERELA

“Note como o ser humano frequentemente erra nos seus julgamentos”

Havia acabado de fazer a última revisão de seu livro “A ciência na cozinha e a arte de comer bem” quando, aproveitando a visita de Francesco Trevisan, conhecido professor de literatura, Pellegrino Artusi pediu ao caro amigo que desse uma olhada em sua obra e exprimisse sua opinião. Para sua surpresa, o trabalho de anos, recolhendo receitas populares, feitas com ingredientes locais, recebeu a seguinte avaliação: “Este livro não terá o menor sucesso”.

Desanimado, mas não de tudo, Artusi achou que seria oportuno obter o parecer de outras pessoas. Então, entrou em contato com uma importante editora de Florença, na esperança que, sendo os proprietários praticamente da família, tivessem maior condescendência com sua obra.

Convidou-os para uma refeição, de maneira que conhecessem sua obra na teoria e na prática. Todavia, novamente, recebeu um balde de água fria: “Se a obra tivesse sido compilada por Doney (famoso chef do final do século XIX), nesse caso e, somente nesse caso, o sucesso seria indiscutível”.

Artusi, que há época já contava com 71 anos, retrucou aos comensais: “Se esta obra tivesse sido escrita por Doney, provavelmente ninguém entenderia nada, como acontece com o livro O Rei dos Cozinheiros (Il Re dei Cuochi), enquanto que, com este manual, basta uma colher na mão e qualquer um é capaz de preparar grandes pratos”.

Para os editores, considerou depois o insistente senhor, não importa se um livro é bom ou ruim, se tem conteúdo, ou não. O importante é que leve um nome famoso na capa para vender bem!

Resolveu, então, sair do seu território e foi buscar a opinião de uma importante editora de Milão, da qual recebeu um curto e grasso: “Não nos ocupamos de livros de culinária”.

A este ponto, tomou a decisão de assumir o risco integralmente. Enquanto negociava valores com a gráfica, porém, fez uma última tentativa e perguntou ao dono se não se interessaria pela obra. O potencial parceiro, porém, propôs-lhe o pagamento de irrisórias 200 liras, além da cessão de todos os direitos.

Isso foi a gota e Artusi seguiu com a ideia de autopatrocinar uma primeira tiragem, mas de apenas 1.000 cópias.

Já com os filhotes em mãos, o escritor e empresário foi contatado por um amigo para que doasse para um evento beneficente 2 exemplares de um livro que, acreditava o amigo, ele tivesse. O problema é que não tinha os livros requeridos e, então, resolveu mandar 2 exemplares do seu manual de culinária. Antes não o tivesse feito, pois ficou sabendo que os ganhadores, ao invés de aproveitarem o conteúdo da obra, procuraram bancas de jornais interessadas em adquiri-la com o objetivo de fazer algum dinheiro.

As desventuras de Artusi não tinham chegado ao fim. Mandou uma cópia do livro a uma importante revista de Roma, da qual era associado, para que fizessem uma resenha, ajudando na divulgação. Todavia, a revista restringiu-se em citar o nome do livro entre os recentemente recebidos. E nem isso parecem ter feito de bom grado, pois o nome citado estava errado!

Foi então que, finalmente, apareceu uma boa alma para falar bem de sua obra. Trata-se do Professor Paolo Menegazzza, que gostou tanto do livro a ponto de desejar-lhe 100 edições! Artusi, porém, com os pés no chão, disse que já ficaria contente se sua obra chegasse à segunda edição. O professor, porém, para surpresa (desta vez positiva) de Artusi, citou a obra em duas de suas palestras.

Os ânimos começavam a voltar e, ainda que lentamente, unidade após unidade, o livro começava a encontrar interessados, até que a primeira edição se esgotou e, sempre com cautela, o autor mandou imprimir mais 1.000 cópias, que se esgotaram mais rapidamente.

Seguiu-se, então, a terceira edição, com 2.000 cópias, e depois a quarta e a quinta, cada uma com 3.000 cópias. A estas, seguiram-se, em intervalos relativamente breves, seis outras edições, cada uma de 4.000 cópias. Como o sucesso a este ponto não lhe parava de sorrir, vieram outras edições de 6.000, de 10.000 e de 15.000 cópias.

Em 1911, ano do falecimento de Pellegrino Artusi, a obra, que começou com 475 receitas, estava na 15º edição e contava com 790 receitas, entre sopas, caldos, entradas, molhos, massas, carnes, peixes, doces, licores e curiosidades.

É um dos três livros mais lidos na Itália, depois de As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, e Os Noivos, de Alessandro Manzoni. Foi traduzido para diversas línguas, como inglês, holandês, português, espanhol, alemão, francês e russo. Um verdadeiro best seller que, segundo uma pesquisa feita pela Readers’ Digest, em 1978, havia então atingido a marca de quase 2 milhões de cópias vendidas.

Ao morrer, não tendo filhos, Artusi deixou os direitos do livro a seus dois cozinheiros que, com a renda, viveram com tranquilidade para o resto de suas vidas.

E aí? Vai desistir no primeiro não?


🇮🇹🎩