Para falar sobre os 20Km de Paris e sobre como foi minha
primeira prova fora do Brasil, tenho que retornar um pouco no tempo e explicar
como a corrida de rua passou a fazer parte das minhas atividades quotidianas.
Até meus 26 anos, fazer qualquer atividade física era, para
mim, quase tão improvável quanto encontrar um marciano no meio da rua. Até
então, havia fugido com maestria de todas as aulas de educação física possíveis
e imagináveis, do fundamental à faculdade. As desculpas eram variadas e, não
raro, contavam com a ajuda da sorte, como numa ocasião em que, num exame
médico, com o coração um pouco acelerado, fui diagnosticado com sopro cardíaco
pelo médico que me examinou.
Não vou aqui tratar sobre as habilidades do médico que me
examinou, mas seu diagnóstico foi muito conveniente para que camuflasse a
preguiça que começou a arrefecer quando me dei conta que a força da gravidade
começava a agir sobre mim, o que me fez procurar uma academia para começar a
agir contra ela.
Com exame médico (nome) realizado e matrícula paga, comecei
um plano de atividades físicas que, de pronto, me jogaram na cara todos os anos
de sedentarismo acumulados. Para se ter uma ideia, eu me cansava com a esteira
a 4,5Km/h!
Mas como para quem parte do zero (no meu caso, absoluto), os
ganhos no começo são grandes, em pouco tempo adorava a rotina de acordar às
cindo da manhã para ser o primeiro a chegar à academia.
Ganhos grandes de condicionamento, mas não o suficiente para
evitar uma participação pífia numa maratona de revezamento Pão de Açúcar, na
qual corri meros 5Km com a sensação de ter corrido os 42. Aff!
Tempo vai, tempo vem, depois de encarnar o ciclista indoor,
com treinos (nada recomendados) em todos os dias da semana (dica n°1 do esportista:
descanse pelo menos 1 vez por semana e encare treinos diferenciados para não
fadigar seus músculos, que precisam de tempo para se refazerem), comecei a
perceber que o mundo inteiro corria e não corria pouco. Meus irmãos já haviam
feito maratonas, assim como o oncologista do meu pai, muitos de meus colegas de
faculdade e uma massa crescente de colegas na nova academia que passava a
frequentar.
Decretei que não ficaria de fora, contratei um personal e o
pus para correr, ou melhor, a me preparar. O problema é que ele não era
especialista em corridas e, já na primeira semana, descobri músculos, todos
doloridos, que não sabia que existiam (outra dica, importante: procure sempre
profissionais referenciados na área, pois se é para fazer trabalho de amador e
se estourar, não precisa de treinador).
Imaginem que o ser me pôs para correr a 16Km/h durante 1
hora, de cara. Não deu três dias e já estava mancando. O problema é que a São
Silvestre, primeira grande prova de rua e parte do meu treinamento, iria acontecer
dali a poucas semanas. Além disso, eu já havia feito inscrição para a Maratona
de São Paulo, que, àquela época, acontecia em abril. Resultado: baixei uma
planilha de treinos do site da Maratona de Londres e encarei, sozinho, essa
empreitada que, devo dizer, não teve um resultado tão ruim: terminei a Maratona
de São Paulo em pouco mais de5 horas (talvez desse dizer pouco manos de 6
horas!) e vontade nenhuma de repetir a dose. Já enquanto corria a prova, não
conseguia pensar em outra coisa além do que me havia colocado ali, sobretudo a
partir do quilômetro 30, quando a perna esquerda e a direita resolvem ir uma
para cada lado.
E minha história de corredor terminaria por aí se não
percebesse que correr era uma boa maneira de manter proximidade com a boa forma
e o máximo de distância da gordura generalizada. Foi aí que entrei para um grupo de corridas na academia, que
acabou me levando à meia maratona do Rio de Janeiro e a muitas outras meias
maratonas ao longo de 2013. Sim, pois havia decretado que as meias tinham a
distância ideal para a mente e segura para o corpo.
Eis que, porém, perdi o prazo de inscrição para o que seria
minha segunda meia maratona no Rio e, para não ficar de fora, resolvi fazer
inscrição para a maratona. Afinal, eram apenas 21Km a mais (nada de mais, se
não fosse aquela subida da Niemeyer que parece não acabar nunca!).
Não pensei duas vezes e, quando uma amiga me falou dessa
corrida, logo que recebi o link sobre a prova, já fiz a inscrição e comecei a
preparar a viagem que, por si só, já é uma viagem.
Resolvi viajar com a Lufthansa, com paradinha em Frankfurt e
aviões para lá de confortáveis. Cheguei ao Aeroporto de Paris Charles De Gaulle
por volta das 15:00 da sexta, antevéspera da prova. Com alguma facilidade,
peguei o trenzinho que liga o aeroporto ao centro da cidade e me dirigi ao
hotel. Aliás, ainda bem que tinha umas modinhas comigo, pois a máquina de
emissão automática de bilhetes para o trem só aceita moedas, ou cartão (que eu
não queria usar). Nada de notas.
Depois de 9,75 euros e uma viagem com cerca de 50 minutos de
duração, cheguei ao Hotel Prince, minha casa em Paris por 3 noites. Devo dizer
que esse hotel não é lá grandes coisas. Um duas estrelas (cadentes), mas com
roupa de cama e banheiro limpos. Além disso, fica em frente a uma estação do
metrô (Escola Militar), a uma quadra do Village montado para a retirada do kit
e a uns 4 quarteirões da largada.
Peguei o número de peito sem aquelas filas enormes de SP
(cheguei até a pensar que quase não havia corredores inscritos) e, antes de me
encontrar com Wilma e Beto, amigos que também foram correr e descansar uns dias
na Europa, aproveitei para dar uma volta no Campo de Marte e pela Torre Eiffel.
Tirei algumas fotos e, depois que me encontrei com eles, tirei outras, já com a
noite caída e a torre iluminada. Bonito demais!
No dia seguinte, um passeio básico por Giverny, cidade de
Monet e cama! Dormi bem e acordei cerca de 3 horas antes da largada, que
aconteceu às 10:00. Tempo suficiente para a higiene pessoal, um bom café da
manhã (mas sem exageros) e seguir caminhando até o local da largada, localizado
mais ou menos embaixo da Torre Eiffel.
Grande surpresa ao chegar debaixo da Torre, porém, e ver a
passagem para a corrida fechada. Deveria ter pegado a rua lateral à direita do
Campo de Marte, mas resolvi seguir o fluxo de corredores e me dei mal. Sempre
atrás da manada, segui para a esquerda, onde, aliás, haviam instalado os
banheiros químicos e, junto a não menos do que umas 500 pessoas, fiquei
aguardando que os colocados no local certo de largada passassem para que fosse
liberada essa passagem. Como isso não aconteceu, sempre junto com os demais,
feito uma Maria-vai-com-as-outras, fui para outro ponto pelo qual consegui
acesso ... mas como demorou.
A corrida foi boa. O problema foi a quantidade de gente
participando e as ruas afuniladas pelas quais nos fizeram passar logo no
começo. Por conta disso, ao invés de largar às 10:00, conforme previsto,
larguei 48 minutos depois. Mas consegui fazer um bom tempo. O tempo, aliás,
colaborou e ficou firme até o final da prova. Caiu uma garoa muito fina e muito
rapidamente apenas antes do (meu) início da prova.
Gostei do percurso, mas pensava que seria o contrário, ou
seja, passando primeiro pelos arredores do Louvre, para depois seguir para ao
Bois de Bologne e então retornar. Isso não fez muita diferença, a não ser pelo
fato do percurso contrário não favorecer muito o fluxo de corredores,
principalmente o comecinho, feito por uma rua com apenas duas pistas, enquanto
que corridas com grande fluxo, no Brasil, possuem largada por ruas com pelo
menos 4 pistas.
Tentando me desviar dos mais (muitos) lentos, subia e descia
calçadas como uma lebre, até que dei um passo em falso, escorreguei numa guia
umedecida pela garoa fina que havia caído e fui conferir a rigidez do tronco de
uma árvore. Bati em cheio com o lado esquerdo do tórax e também ralei a orelha!
O incidente me fez perder tempo (apenas alguns segundos, mas
sabem como é, de segundo em segundo se faz um minuto, que faz toda a diferença
no final da prova). Entretanto, não me dei por derrotado. Levantei com a mesma
velocidade que cai e segui correndo, mais rápido do que antes, com pace na casa
dos 4 minutos ou menos, para poder compensar os segundos perdidos.
Com cuidado, corria olhando para o chão e também para os
prédios, de uma arquitetura singular. Nada de edifícios gigantescos ocupando
aquela região, mas apenas prédios de no máximo dez andares, dando harmonia ao
conjunto e muita graça ao ambiente.
De repente, pouco tempo depois de iniciar a corrida, talvez
lá pelo quilômetro 3, entrei no Bois de Bologne, que já conhecia de nome, das
aulas de francês. Lindo o local, que pode ser comparado a um Ibirapuera para os
parisienses, embora maior e mais arborizado.
Resolvi correr pelas calçadas, de terra e areia, de modo a
amortecer a batida do pé contra o pavimento. Além do mais, essa trilha tinha
menos corredores, o que me permitiu atingir meu objetivo de velocidade (média
de 11,5Km/h ao longo de toda a prova), recuperando todo o tempo perdido com a
caída e os desvios por entre os mais lentos.
Todo o caminho dentro do parque foi feito ao longo de uma
alameda ladeada por plátanos, cujas folhas já amareladas começavam a cair,
cobrindo o chão com uma tapete de tons entre o marrom e o cobre.
No final da alameda, praticamente toda em descida, num ponto
em que tínhamos que retornar, um belo moinho, provavelmente construído há uns
duzentos anos, quando o local talvez pertencesse a algum proprietário de terra.
Resolvi não parar para pegar água e nem os pedaços de
laranja oferecidos a cada 5km, ou menos. Sempre por conta do grande número de
corredores, eram pontos de passagem bastante tumultuados. Num deles, inclusive,
acabei empurrando involuntariamente uma participante que cruzou meu caminho,
quase andando, para pegar água.
Como não levei suplementos, garanti a reposição de energia
por meio da ingestão de 4 cubos de açúcar que havia pego no café da manhã .
Está errado, mas como esperava que no kit de prova tivesse uns dois saches de
gel, não levei os meus e me dei mal. De qualquer modo, foram suficiente para
completar a prova, depois de muitas subidas e descidas em 1hora e 48 minutos e
25 segundos. Um bom tempo.
A retirada do kit pós prova e da medalha também demandou
tempo e paciência. Talvez tenha empregado cerca de 15 a 20 minutos, ou mais.
Não sei bem, pois não levava relógio comigo, mas apenas o Garmin, que não
estava programado para mostrar a hora. Mas tudo bem. Aguardar depois da prova
não é um grande problema.
Gostei da medalha, no formato de um disco de vinil e em
referência ao slogan da prova que conclamava os participantes a seguirem no
ritmo da prova. Aliás, parece ser possível baixar (confesso que nunca tentei) as
músicas que animaram a prova toda, a aproximadamente cada 1km, com algumas
bandas de rock e muitas bandas de jazz. Fantástico!
Com medalha e kit nas mãos, segui para o hotel onde estava
hospedado, caminhando pelas alamedas do Campo de Marte e, vez ou outra, virando
de costas para uma última olhada na Torre Eifffel. Ôh obra bonita! Nunca subi
no seu cume, pois tenho medo de altura. Não importa. Ali de baixo mesmo, aos
seus pés, já é bastante agradável de se estar.
Tomei um banho, descansei um pouco e meio sem fome por já
ter consumido todo o kit de prova, segui adiante, rumo às férias apenas
iniciadas e já pensando em que outra prova de rua, maratona, com certeza, para
fazer em 2015. Alguma sugestão?