segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

20KM DE PARIS

Para falar sobre os 20Km de Paris e sobre como foi minha primeira prova fora do Brasil, tenho que retornar um pouco no tempo e explicar como a corrida de rua passou a fazer parte das minhas atividades quotidianas.

Até meus 26 anos, fazer qualquer atividade física era, para mim, quase tão improvável quanto encontrar um marciano no meio da rua. Até então, havia fugido com maestria de todas as aulas de educação física possíveis e imagináveis, do fundamental à faculdade. As desculpas eram variadas e, não raro, contavam com a ajuda da sorte, como numa ocasião em que, num exame médico, com o coração um pouco acelerado, fui diagnosticado com sopro cardíaco pelo médico que me examinou.

Não vou aqui tratar sobre as habilidades do médico que me examinou, mas seu diagnóstico foi muito conveniente para que camuflasse a preguiça que começou a arrefecer quando me dei conta que a força da gravidade começava a agir sobre mim, o que me fez procurar uma academia para começar a agir contra ela.
Com exame médico (nome) realizado e matrícula paga, comecei um plano de atividades físicas que, de pronto, me jogaram na cara todos os anos de sedentarismo acumulados. Para se ter uma ideia, eu me cansava com a esteira a 4,5Km/h!

Mas como para quem parte do zero (no meu caso, absoluto), os ganhos no começo são grandes, em pouco tempo adorava a rotina de acordar às cindo da manhã para ser o primeiro a chegar à academia.
Ganhos grandes de condicionamento, mas não o suficiente para evitar uma participação pífia numa maratona de revezamento Pão de Açúcar, na qual corri meros 5Km com a sensação de ter corrido os 42. Aff!
Tempo vai, tempo vem, depois de encarnar o ciclista indoor, com treinos (nada recomendados) em todos os dias da semana (dica n°1 do esportista: descanse pelo menos 1 vez por semana e encare treinos diferenciados para não fadigar seus músculos, que precisam de tempo para se refazerem), comecei a perceber que o mundo inteiro corria e não corria pouco. Meus irmãos já haviam feito maratonas, assim como o oncologista do meu pai, muitos de meus colegas de faculdade e uma massa crescente de colegas na nova academia que passava a frequentar.

Decretei que não ficaria de fora, contratei um personal e o pus para correr, ou melhor, a me preparar. O problema é que ele não era especialista em corridas e, já na primeira semana, descobri músculos, todos doloridos, que não sabia que existiam (outra dica, importante: procure sempre profissionais referenciados na área, pois se é para fazer trabalho de amador e se estourar, não precisa de treinador).
Imaginem que o ser me pôs para correr a 16Km/h durante 1 hora, de cara. Não deu três dias e já estava mancando. O problema é que a São Silvestre, primeira grande prova de rua e parte do meu treinamento, iria acontecer dali a poucas semanas. Além disso, eu já havia feito inscrição para a Maratona de São Paulo, que, àquela época, acontecia em abril. Resultado: baixei uma planilha de treinos do site da Maratona de Londres e encarei, sozinho, essa empreitada que, devo dizer, não teve um resultado tão ruim: terminei a Maratona de São Paulo em pouco mais de5 horas (talvez desse dizer pouco manos de 6 horas!) e vontade nenhuma de repetir a dose. Já enquanto corria a prova, não conseguia pensar em outra coisa além do que me havia colocado ali, sobretudo a partir do quilômetro 30, quando a perna esquerda e a direita resolvem ir uma para cada lado.

E minha história de corredor terminaria por aí se não percebesse que correr era uma boa maneira de manter proximidade com a boa forma e o máximo de distância da gordura generalizada. Foi aí que entrei para um grupo de corridas na academia, que acabou me levando à meia maratona do Rio de Janeiro e a muitas outras meias maratonas ao longo de 2013. Sim, pois havia decretado que as meias tinham a distância ideal para a mente e segura para o corpo.

Eis que, porém, perdi o prazo de inscrição para o que seria minha segunda meia maratona no Rio e, para não ficar de fora, resolvi fazer inscrição para a maratona. Afinal, eram apenas 21Km a mais (nada de mais, se não fosse aquela subida da Niemeyer que parece não acabar nunca!).

Dessa vez, porém, contratei um treinador de corridas e fiz todos (ou quase) treinos de esteira e de rua (na USP), deixando de vez o jeito “nas coxas” de correr. Tinha apenas 3 meses, mas fiz tudo à risca e, apensar de achar não estar pronto, pois os longões (na faixa dos 30K, pouco mais, pouco menos) me deixavam só o pó, segui para o Rio e terminei a prova em 4 horas e alguns (poucos!) minutos. Minha meta era terminar em até 4 horas, mas um certo cansaço no final , mesmo com todo o apoio de prova, diminuiu um pouco meu rendimento. O fato é que terminei bem, sem nenhuma dor, com um único efeito colateral que foi uma vontade louca vontade de fazer mais ... desde que não fosse outra maratona, não pelo menos até o ano que vem.

Foi aí que surgiram os 20Km de Paris. Quase uma meia maratona, com o físico preparado, num lugar diferente (maravilhoso), bem no começo das férias (que foram longas) e numa época do ano (12 de outubro) em que a Cidade Luz tem uma temperatura agradabilíssima (começa o dia com 12°C para chegar, no início da tarde, com algo em torno de 22°C).

Não pensei duas vezes e, quando uma amiga me falou dessa corrida, logo que recebi o link sobre a prova, já fiz a inscrição e comecei a preparar a viagem que, por si só, já é uma viagem.

Resolvi viajar com a Lufthansa, com paradinha em Frankfurt e aviões para lá de confortáveis. Cheguei ao Aeroporto de Paris Charles De Gaulle por volta das 15:00 da sexta, antevéspera da prova. Com alguma facilidade, peguei o trenzinho que liga o aeroporto ao centro da cidade e me dirigi ao hotel. Aliás, ainda bem que tinha umas modinhas comigo, pois a máquina de emissão automática de bilhetes para o trem só aceita moedas, ou cartão (que eu não queria usar). Nada de notas.

Depois de 9,75 euros e uma viagem com cerca de 50 minutos de duração, cheguei ao Hotel Prince, minha casa em Paris por 3 noites. Devo dizer que esse hotel não é lá grandes coisas. Um duas estrelas (cadentes), mas com roupa de cama e banheiro limpos. Além disso, fica em frente a uma estação do metrô (Escola Militar), a uma quadra do Village montado para a retirada do kit e a uns 4 quarteirões da largada.
Peguei o número de peito sem aquelas filas enormes de SP (cheguei até a pensar que quase não havia corredores inscritos) e, antes de me encontrar com Wilma e Beto, amigos que também foram correr e descansar uns dias na Europa, aproveitei para dar uma volta no Campo de Marte e pela Torre Eiffel. Tirei algumas fotos e, depois que me encontrei com eles, tirei outras, já com a noite caída e a torre iluminada. Bonito demais!

No dia seguinte, um passeio básico por Giverny, cidade de Monet e cama! Dormi bem e acordei cerca de 3 horas antes da largada, que aconteceu às 10:00. Tempo suficiente para a higiene pessoal, um bom café da manhã (mas sem exageros) e seguir caminhando até o local da largada, localizado mais ou menos embaixo da Torre Eiffel.

Grande surpresa ao chegar debaixo da Torre, porém, e ver a passagem para a corrida fechada. Deveria ter pegado a rua lateral à direita do Campo de Marte, mas resolvi seguir o fluxo de corredores e me dei mal. Sempre atrás da manada, segui para a esquerda, onde, aliás, haviam instalado os banheiros químicos e, junto a não menos do que umas 500 pessoas, fiquei aguardando que os colocados no local certo de largada passassem para que fosse liberada essa passagem. Como isso não aconteceu, sempre junto com os demais, feito uma Maria-vai-com-as-outras, fui para outro ponto pelo qual consegui acesso ... mas como demorou.
A corrida foi boa. O problema foi a quantidade de gente participando e as ruas afuniladas pelas quais nos fizeram passar logo no começo. Por conta disso, ao invés de largar às 10:00, conforme previsto, larguei 48 minutos depois. Mas consegui fazer um bom tempo. O tempo, aliás, colaborou e ficou firme até o final da prova. Caiu uma garoa muito fina e muito rapidamente apenas antes do (meu) início da prova.
Gostei do percurso, mas pensava que seria o contrário, ou seja, passando primeiro pelos arredores do Louvre, para depois seguir para ao Bois de Bologne e então retornar. Isso não fez muita diferença, a não ser pelo fato do percurso contrário não favorecer muito o fluxo de corredores, principalmente o comecinho, feito por uma rua com apenas duas pistas, enquanto que corridas com grande fluxo, no Brasil, possuem largada por ruas com pelo menos 4 pistas.

Tentando me desviar dos mais (muitos) lentos, subia e descia calçadas como uma lebre, até que dei um passo em falso, escorreguei numa guia umedecida pela garoa fina que havia caído e fui conferir a rigidez do tronco de uma árvore. Bati em cheio com o lado esquerdo do tórax e também ralei a orelha!
O incidente me fez perder tempo (apenas alguns segundos, mas sabem como é, de segundo em segundo se faz um minuto, que faz toda a diferença no final da prova). Entretanto, não me dei por derrotado. Levantei com a mesma velocidade que cai e segui correndo, mais rápido do que antes, com pace na casa dos 4 minutos ou menos, para poder compensar os segundos perdidos.

Com cuidado, corria olhando para o chão e também para os prédios, de uma arquitetura singular. Nada de edifícios gigantescos ocupando aquela região, mas apenas prédios de no máximo dez andares, dando harmonia ao conjunto e muita graça ao ambiente.

De repente, pouco tempo depois de iniciar a corrida, talvez lá pelo quilômetro 3, entrei no Bois de Bologne, que já conhecia de nome, das aulas de francês. Lindo o local, que pode ser comparado a um Ibirapuera para os parisienses, embora maior e mais arborizado.

Resolvi correr pelas calçadas, de terra e areia, de modo a amortecer a batida do pé contra o pavimento. Além do mais, essa trilha tinha menos corredores, o que me permitiu atingir meu objetivo de velocidade (média de 11,5Km/h ao longo de toda a prova), recuperando todo o tempo perdido com a caída e os desvios por entre os mais lentos.

Todo o caminho dentro do parque foi feito ao longo de uma alameda ladeada por plátanos, cujas folhas já amareladas começavam a cair, cobrindo o chão com uma tapete de tons entre o marrom e o cobre.
No final da alameda, praticamente toda em descida, num ponto em que tínhamos que retornar, um belo moinho, provavelmente construído há uns duzentos anos, quando o local talvez pertencesse a algum proprietário de terra.

Resolvi não parar para pegar água e nem os pedaços de laranja oferecidos a cada 5km, ou menos. Sempre por conta do grande número de corredores, eram pontos de passagem bastante tumultuados. Num deles, inclusive, acabei empurrando involuntariamente uma participante que cruzou meu caminho, quase andando, para pegar água.

Como não levei suplementos, garanti a reposição de energia por meio da ingestão de 4 cubos de açúcar que havia pego no café da manhã . Está errado, mas como esperava que no kit de prova tivesse uns dois saches de gel, não levei os meus e me dei mal. De qualquer modo, foram suficiente para completar a prova, depois de muitas subidas e descidas em 1hora e 48 minutos e 25 segundos. Um bom tempo.

A retirada do kit pós prova e da medalha também demandou tempo e paciência. Talvez tenha empregado cerca de 15 a 20 minutos, ou mais. Não sei bem, pois não levava relógio comigo, mas apenas o Garmin, que não estava programado para mostrar a hora. Mas tudo bem. Aguardar depois da prova não é um grande problema.

Gostei da medalha, no formato de um disco de vinil e em referência ao slogan da prova que conclamava os participantes a seguirem no ritmo da prova. Aliás, parece ser possível baixar (confesso que nunca tentei) as músicas que animaram a prova toda, a aproximadamente cada 1km, com algumas bandas de rock e muitas bandas de jazz. Fantástico!

Com medalha e kit nas mãos, segui para o hotel onde estava hospedado, caminhando pelas alamedas do Campo de Marte e, vez ou outra, virando de costas para uma última olhada na Torre Eifffel. Ôh obra bonita! Nunca subi no seu cume, pois tenho medo de altura. Não importa. Ali de baixo mesmo, aos seus pés, já é bastante agradável de se estar.


Tomei um banho, descansei um pouco e meio sem fome por já ter consumido todo o kit de prova, segui adiante, rumo às férias apenas iniciadas e já pensando em que outra prova de rua, maratona, com certeza, para fazer em 2015. Alguma sugestão?