Não é uma cidade morta, um museu
a céu aberto, com edifícios estonteantes que desafiam a imaginação a
compreender como ou por qual razão foram colocados em pé, ou ainda porque foram
abandonados. A vida por ali ainda pulsa não apenas em suas construções
seculares, testemunhas da fé da humanidade, mas, sobretudo, nas pessoas que por
ali habitam, que por ali transitam em busca de Deus ou de si mesmas.
Visitar Jerusalém é romper a
fronteira do tempo e dos costumes, é misturar passado e presente, ocidente e
oriente, espiritual e mundano.
Vasculhando minhas memórias para
escrever este texto, sou bombardeado de informações, de impressões e até mesmo
odores marcantes. Fecho os olhos e me vejo vagando por aquelas ruelas
estreitas, em meio aos souks (emaranhado de ruas comerciais), observando o
vai-vem de pessoas e escutando seu vozerio indecifrável que parece querer se
impregnar nas paredes, como os pedidos deixados por entre as frestas das rochas
que compõem o Muro das Lamentações.
Ao atravessar os limites do
Portão de Damasco, um dos oito acessos à cidade antiga de Jerusalém e construído
em 1542 por ordem de Solimão, o Magnífico, sou transportado para um mundo que
parece existir somente na imaginação de algum cineasta de Hollywood, ou para
algum dos contos das mil e uma noites, devidamente repaginado, com elementos do
quotidiano atual, como celulares e brinquedos feitos na China, que destoariam
na paisagem, caso não se perdessem no turbilhão de sensações que os sentidos
humanos não são capazes de captar.
Confesso que meu primeiro
impacto, após rapidamente observar a imensa construção otomana, não foi dos
mais positivos. Não que a construção em si não me tenha agradado. Muito pelo
contrário. Possui traços mouriscos muito característicos e uma imponente porta
de madeira, hoje constantemente escancarada, uma vez que o perigo de invasão já
não existe mais (quando muito, a invasão é de turistas e peregrinos de todo o
mundo). Foi o que vi logo depois que me causou certo desconforto.
Guiado por uma senhora francesa
que havia conhecido no taxi coletivo (vulgo van) que nos trouxe do aeroporto
Ben Gurion até Jerusalém, quanto mais adentrava a cidade, na pressa de chegar
no hotel e me livrar do peso das malas (apesar de ter aprendido a viajar com o
mínimo indispensável, no sobre e desce de ladeiras, esse indispensável também
pesa), mais me questionava sobre ter viajado tanto para me enfiar num local
que, num primeiro momento, parecia-me um misto dos tradicionais pontos de
comércio popular de São Paulo e do Rio de Janeiro, a 25 de Março e o Saara, ou
seja, nada que justificasse uma viagem tão longa.
Cheguei a escrever nas minhas
anotações que aquilo que via só podia ser reflexo da expulsão dos vendilhões do
templo que, conseqüentemente, haviam se espalhado pela cidade, ou pelo menos
por aquele canto! Eram lojas de todos os tipos, misturadas sem o mínimo nexo, de
joalherias a açougues, passando pelo comércio de roupas, de especiarias, de
todo tipo de alimentos e de lembrancinhas para turistas, das mais baratas e
legitimamente falsas, às mais caras e genuinamente (?) verdadeiras. Também havia
os vendedores ambulantes, com produtos espalhados pelo chão e que, em certos
momentos, atrapalhavam a passagem. Tudo unido e isolado, como numa colcha de
retalhos, de tons variados e, em alguns casos, de gosto duvidoso.
Uma análise mais atenta, porém, me
fez mudar de idéia e apreciar cada vez mais aquele universo que, embora não
muito grande (a cidade antiga tem não mais que 1 Km²), possui uma diversidade
étnica e cultural dificilmente encontrada em outras localidades. Aliás,
observar aquele vai-e-vem de pessoas de variados biótipos, já é uma viagem. São
muçulmanos, judeus e católicos de todos os tipos e todas as partes do mundo,
que vivem ou se dirigem a Jerusalém para visitar alguns dos locais mais
sagrados para as principais religiões do planeta.
Bem, o hotel onde eu me hospedei (Hashimi
Hotel) estava localizado no bairro muçulmano, num palácio construído em 1740, a
dois passos da Via Dolorosa e com um terraço com vista para a Cúpula da Rocha.
Essa, pelo menos, é a descrição que encontrei no E-booking e, como eu não tinha
muitas opções, já que outubro é um mês de altíssima temporada em Israel, por
conta de festas judaicas de grande importância, bem como do clima, que é
agradável para longas caminhadas, resolvi ficar por lá, na certeza de estar
fazendo um grande negócio: prédio histórico, recém restaurado, de fácil acesso
aos pontos que tinha programado para minha rápida visita à cidade e a um bom
preço (US$ 100 por noite).
Claro que onde há fumaça há fogo
e, se o hotel fosse tudo o que o site descreve, custaria tanto quanto o King
David, hotel mais luxuoso da cidade, com apartamentos a partir de U$ 500
(confesso que até tentei ficar lá, ou no YMCM, igualmente famoso e do outro
lado da rua, nas imediações da Porta de Jaffa, mas de um lado porque se
encontram fora dos muros da cidade velha e de outro porque deixei para fazer a
reserva muito tarde, encontrei-os lotados e acabei forçosamente abortando a
idéia).
Quando cheguei na frente do hotel,
depois de dar uma parada numa vendinha para me certificar onde ficava, já que
minha guia francesa havia me deixado no início da rua, de onde ela seguiu seu
caminho, olhei bem para a porta de ingresso e lembrei daquela música da
Neuzinha Brizola: ... a cobertura era uma kitchenet e a festa era mitchura ...
Nem tudo era mentira ou exagero.
O hotel realmente estava instalado num edifício com quase 300 anos, todo
restaurado (segundo os padrões locais) e a pouca distância da Via Dolorosa, que
eu decidi visitar logo após deixar minhas malas no hotel. O problema é que o
quarto, para 4 pessoas (resolvi o problema alugando todas as vagas, trancando a
porta a chave e levando-a comigo para onde quer que fosse!) era um tanto quanto
espartano e sem nível de comparação com o King David, ou mesmo com as
hospedarias para peregrinos, onde também tentei ficar e também encontrei
igualmente lotadas. Não podia me queixar, porém, da limpeza e, quanto ao
terraço, de fato tinha uma boa vista para a Cúpula da Rocha, mas como em
outubro faz um certo friozinho (embora tenha tido sorte e pego dias de sol), o
terraço estava fechado e pude usufruir da vista somente da porta de vidro para
dentro. Depois, a rua do hotel não é das mais simpáticas para um ocidental, não
pelo menos até cair de cabeça na cultura oriental, já que fica no coração de um
souk.
Passado o susto com o quarto e o
hotel em si, que depois passei a achar suficiente (embora não fosse um 5
estrelas), saí pelo souk, no que deveria ser um passeio de reconhecimento, de
modo a planejar a visita do dia seguinte. Entretanto, após caminhar 2 minutos,
já estava na Via Dolorosa e, levado pelos peregrinos, acabei fazendo boa parte
das 12 estações, que compreendem algumas passagens da imolação de Jesus após
ter sido condenado culpado pelo Sinédrio.
Ao seguir esses grupos, em
particular um de japoneses, acabei entrando em locais que, somente no dia
seguinte, fazendo rapidamente o mesmo trajeto, percebi serem propriedades
privadas, abertas ao público somente mediante pagamento de ingresso (bastante
justo, visto que em diversas situações encontram-se nos subterrâneos de casas
habitadas). Como estava com os peregrinos, passei por componente do grupo (ninguém
se deu conta que não sou japonês ou acharam que era guia!) e fiquei ali observando
a demonstração de fé de seus elementos. Chegava a ser comovente vê-los
ingressar nos locais por onde Jesus passou, cantar uma oração e seguir para a
estação seguinte. Tudo muito rápido, mas muito intenso e extremamente
verdadeiro.
Durante as várias reflexões que
tive, cheguei a invejar esses verdadeiros peregrinos pela fé incondicional que
demonstravam e que eu nem de longe sentia. Até tentava me emocionar como eles
ao passar pelos locais onde Jesus sofreu até ser crucificado. Entretanto, meu
lado racional, cartesiano, não me permitia esse tipo de emoção, até pelo menos
seguir um fluxo de judeus, que vinham de todas as partes e, como passageiros do
metrô em horário de pico, subiam apressados as colinas da cidade nova até
passar pela Porta de Jaffa e se perderem nas vielas da cidade antiga.
Tinha atravessado a Porta de
Jaffa, após concluir o circuito pela Via Dolorosa. Havia parado por lá para
tomar um copo de suco de romã, vendido aos turistas e demais transeuntes pela
módica quantia de 10 shekels (algo em torno de R$ 26!). É caro, eu seu, mas não
pude resistir a esse sabor pitoresco, meio doce, meio com gosto de terra, que
tantos paravam para provar. Foi aí que notei o fluxo incessante de judeus
cidade adentro, numa pressa tão grande, que nem o Coelho Maluco da Alice no
País das Maravilhas parece ter experimentado.
Curioso que sou, terminei meu
copo de suco, que devem ter tingido meus dentes de um tom violeta, para
disfarçadamente, um pouco como o Agente 86 e um pouco como Mister Bin, seguir
aquela multidão que, se tivesse sido tirada de um filme de Indiana Jones,
certamente estaria indo para algum sacrifício, ou ritual.
Independentemente da razão que os
levava para o mesmo lugar, segui o fluxo que, meio sem tomar conhecimento,
quase que inconscientemente, embora demonstrando uma alegria típica de dia de
festa, e das boas, passou pelo bairros católico e armênio para chegar ao bairro
judeu, até desembocar numa esplanada completamente iluminada, tendo ao fundo o
Muro das Lamentações, encimado pela Cúpula da Rocha. Tudo isso emoldurado pelos
últimos raios de sol, que deixavam o céu num tom de azul cinzento.
O Muro das Lamentações é o que
sobrou do Grade Templo, que está para o judaísmo como a Basílica de São Pedro
está para o catolicismo, ou Meca está para o islamismo. Foi construído após o
retorno do cativeiro na Babilônia, em torno do ano 539 a.C., no mesmo local
onde Salomão havia construído o primeiro Grande Templo, e destruído
completamente no ano 70, pelos romanos.
É difícil descrever a emoção que
senti ao me encontrar diante daquele que é o local mais sagrado para os judeus
e que, segundo uma inscrição colocada em suas proximidades, é um lugar onde a
divindade está sempre presente. O que sei é que, depois de passar pelo detector
de metais – muito comum hoje em dia em locais de grande concentração de pessoas
e ícones para um país – e me vi em meio a uma multidão de homens e mulheres que
cantavam, dançavam e oravam numa bela festa, o Sucot (lê-se sukô) que comemora
os 40 anos de peregrinação dos judeus pelo deserto até encontrarem a terra
prometida, mal contive as lágrimas.
Fiquei por ali cerca de uma hora
caminhando de um lado para o outro e, por vezes, simplesmente parava para
observar a alegria daquela gente de todas as idades, dos mais liberais aos
ortodoxos. Pude notar que homem e mulheres, pelo menos nas imediações do Muro,
ocupavam seções separadas, sendo a masculina muito maior. Pensei em adentrar na
seção masculina, chegar perto do muro, fazer uma oração e deixar um pedido nas suas
frestas, mas um pouco pela multidão e um pouco por não ser judeu, achei que não
tinha o direito de invadir a fé deles. Aliás, uma placa colocada em local bem
visível, dirigida a turistas, recomendava que a aquele momento de festa, mas
também de religiosidade, fosse resguardado das ações inoportunas e, de algum
modo, desrespeitosas.
Já meio cansado, embora fosse
apenas pouco mais de seis da tarde, segui novamente o fluxo de judeus, que
então deixavam aquele local, para também seguir meu rumo ao hotel. Ocorre que,
no meio do caminho, vendo-me novamente nas imediações da Via Dolorosa, resolvi
buscar pela Basílica do Santo Sepulcro, um dos pontos mais sagrados para
católicos de todos os tipos. Digo isso, pois as ordens religiosas cristãs que
povoam a Terra Santa são inúmeras e incluem os católicos apostólicos romanos,
mas também os ortodoxos, os armênios e os etíopes, além da ordem dos
franciscanos, das carmelitas e de mais alguma que me tenha passado
desapercebida.
Não a achei com facilidade, pois
perder-se entre aquelas ruelas, que passam longe de qualquer plano urbanístico,
é mais fácil que andar para frente e já acreditando que essa minha visita
ficaria para as quatro da manhã do dia seguinte (queria chegar cedo para não
ter que disputar espaço com os inúmeros turistas e peregrinos), acabei
encontrando-a e, meio surpreso com sua linha arquitetônica, que não segue o
padrão de uma igreja – normalmente construída em forma de cruz – adentrei em
seu ambiente, muito amplo, com linhas características da época dos cruzados e evidente
influência ortodoxa na iluminação, realizada por lamparinas de vidro colorido,
suspensas por correntes de bronze.
A Basílica, na verdade, é um
conglomerado de capelas de várias épocas. A porta principal, por exemplo, é do
século XII. Já a pedra colocada sobre o local onde Cristo teria sido deitado ao
ser retirado da cruz é de 1700. Não deu para ver tudo com calma, pois cheguei
cerca de 30 minutos antes da igreja ser fechada. De qualquer modo, pude
caminhar por cada um dos ambientes, parar, observar, mergulhar no silêncio,
orar ... e comer uma rosquinha que havia comprado um pouco antes de entrar na
igreja (nada de particular, mas tinha fome e queria provar a culinária da
região, pelo preço módico de 10 shekels, valor que daria para ter comprado um pacote
inteiro, mas que resolvi aceitar, pois os meninos que as vendiam pareciam estar
precisando desse dinheiro mais do que eu).
Queria ter sentido dentro da Basílica
do Santo Sepulcro a mesma emoção que senti diante do Muro das Lamentações.
Afinal, tinha sido ali mesmo, dois mil anos antes, que Jesus tinha sido
crucificado e sepultado. Entretanto, aquele lugar não me provocou nada, ou
melhor, quase nada. Na verdade, senti profundo respeito por uma senhora que vi
logo ao adentrar no recinto, ajoelhada diante da pedra colocada no local onde
Jesus teria sido untado com óleos aromáticos antes de ser sepultado. Ela orava
com profundo fervor, come se visse diante dela o corpo de Jesus, deitado sobre
aquela pedra, que ela acariciava com ternura, lentamente, empunhando um lenço
que acreditava estar benzendo, de maneira a levar consigo um pouco da paz que
aquele lugar lhe trazia. Quem sabe qual força que movia sua fé, ou qual o provável
problema que a afligia. Parecia uma das Três Marias ao pé da cruz.
Bem, após essa cena logo na
entrada, eu adentrei à igreja e, embora pensasse que a fosse encontrar lotada,
não vi viva alma. Nenhum barulho além dos meus passos, que ressoavam por
aqueles corredores de pedra, levando-me quase que inconscientemente até uma
capela construída sobre o Calvário, ou, em aramaico, Gólgota, local onde teria
sido fincada a cruz que levou Jesus desse mundo. E eu fiquei lá por uns bons
minutos, sentado no degrau da escadaria que levava à capela, olhando para o
local sagrado, até ser chamado por um vigia, avisando que estava na hora de
fechar o local.
Saí correndo, olhando rapidamente
o local do Santo Sepulcro, na certeza de poder retornar ao local com mais calma
no dia seguinte, o que jamais aconteceu, pois o destino acabou me levando para
outro lugar. Saí e, antes de voltar para o hotel, fiquei sentado na praça,
observando as portas do templo serem serradas por uma das ordens religiosas
guardiãs do local. São bem democráticos: uma abre e outra fecha aquela porta
baixinha, que faz a gente se encurvar para entrar, parecendo nos obrigar a uma
reverência, mas que, na verdade, tem aquela altura para evitar que entrassem a
cavalo, algo bastante provável na época dos cruzados.
Não me lembro que horas eram.
Provavelmente pouco mais de seis da tarde. A noite, porém, já era profunda e,
então, relutante, resolvi voltar para o hotel, onde recebi a ligação de uma
amiga de Tel Aviv, que havia conhecido um ano antes e com a qual combinei de me
encontrar no dia seguinte.
E o segundo dia na Terra Santa
começou cedo e foi tão ou mais rico de informações que o primeiro. Começou com
um típico café da manhã local, especialmente bem vindo, sobretudo depois de uma
noite sem jantar (quem disse que arrumar um bom restaurante, à noite e dentro
dos muros da velha Jerusalém é fácil?). Lembro-me de ter comido queijo, pão
árabe (que eu adoro), manteiga e frutas locais. Pratos, copos e talheres eram
de plástico e os guardanapos tão finos que furavam só de olhar para eles, mas a
comida era saborosa.
Terminado o desjejum, atravessei
novamente a Porta de Damasco e, costeando externamente os muros da cidade, subi
o Monte das Oliveiras até o Convento do Paternoster, ou Pai Nosso, passando por
diversos pontos de interesse histórico e religioso.
A temperatura estava bem
agradável, embora o sol já se fizesse imponente. A paisagem fora dos muros distinguia-se
de maneira gritante da Antiga Jerusalém, cheia de cores, odores e um vaivém de
pessoas de todas as raças e religiões. O exterior, embora menos claustrofóbico,
carecia de cores, que se limitavam ao azul do céu, o branco amarelento usado
nas construções daquela região e uma ou outra pincelada de verde, aqui e ali,
mas sem aquele vigor das florestas tropicais.
Pensei que a caminhada fosse ser
breve, mas, ao contrário, devo ter levado pelo menos uma hora até o topo do
Monte da Oliveiras e, como não poderia deixar de ser, até lá encontrei grupos
de brasileiros, com seu gesto bem expansivo de ser. São incríveis esses
turistas que, por acharem que ninguém está entendendo o que falam, podem gritar
como se estivessem num mercado de peixe. E o engraçado é que, como pássaros,
estão sempre em bando, quero dizer, grupo. Viajam com um guia, que tenta lhes
manter em grupo e explicar um pouco da história do local, mas o que querem
saber mesmo é de tirar fotos e de comprar aquele monte de quinquilharias que
exibem para seus pares, ao retornarem para suas cidades de origem, não se
esquecendo de dizer o quão pouco pagaram (como se porcaria não custasse pouco
também aqui no Brasil).
Logo no começo da subida,
encontra-se a Igreja das Nações, também chamada de Igreja da Agonia, por ter
sido construída sobre o local onde, dizem, Jesus teria parado para orar pela
humanidade, na noite da sua captura. Trata-se de uma construção em estilo
bizantino, erguida em 1924, com recursos de diversos países (daí ela levar o
nome de igreja das nações e ter em cada uma de suas 12 cúpulas representações
dos brasões dos países que contribuíram para sua construção). A igreja é
interessante (sobretudo suas cúpulas, de um azul que lembram o céu), mas o que
chama mais a atenção no local são os troncos retorcidos das velhas oliveiras,
algumas das quais com mais de 2 mil anos e, portanto, testemunhas da passagem
de cristo pela terra. Caminhar por elas, somente com guia e como eu não tinha
nem tempo e nem vontade de molhar a mão de ninguém, apenas fiquei por lá, do
lado de fora da grade, tentando imaginar as ultimas cenas de Cristo naquele
lugar.
Mas o lugar tem muitas coisas
para ver e rapidamente saí do meu transe para seguir adiante, ladeira acima e, já
no meio da subida, é impossível deixar de notar um imenso cemitério judeu,
repleto de lápides, muitas sobrepostas umas sobre as outras e todas olhando
para o vale de Josafá, no sopé do grande templo, onde a humanidade
ressuscitará, segundo os ortodoxos, no dia do Juízo Final.
Mais uns minutos montanha acima
e, finalmente, chego no Convento do Pai Nosso, que também não é dos mais
antigos. A construção é de 1874 e foi realizada sobre uma antiga igreja
bizantina, do 4° século, que, por sua vez, está localizada sobre uma gruta
onde, dizem Jesus ensinou o Pai Nosso a seus seguidores.
As paredes do edifício, dirigido
pela Ordem das Carmelitas, são revestidas por placas contendo a oração Pai
Nosso em diversas línguas. A placa, formada por seis azulejos, contendo a
oração em português do Brasil, não é das maiores e está nem na entrada do
claustro, um jardim com uma imponente tamareira, ao lado de um pinheiro não
menos imponente e um silêncio reconfortante, quebrado apenas pelo caminhar de
um ou outro turista em meio aos pedregulhos que preenchem as alamedas do
jardim. Nos subterrâneos, fica a gruta na qual Jesus provavelmente se reunia
com seus discípulos. Embora tenha ficado lá por apenas alguns instantes, fecho
os olhos e me lembro de cada detalhe.
Saí do Paternoster e fui para a
Capela da Ascensão, que fica bem do outro lado da rua. O local fica onde Jesus
teria sido avistado pela última vez após a ressurreição e no qual teria deixada
a marca de seu pé num calçamento de mármore. De novo, o que mais comove é a fé
das pessoas, que se ajoelham diante daquela marca, rezam e, antes de seguirem
adiante em sua peregrinação, beijam-na como se estivessem beijando o próprio
Cristo. Minha mente cartesiana, porém, novamente se recusa a acreditar que
aquele buraco na pedra, no formato de um calcanhar e que provavelmente foi
cunhado pela ação do tempo ou por alguém interessado em ganhar uns trocados (sim,
paga-se para entrar!), à custa da fé do povo.
E, deixando essa capela, pequeno
edifício com prováveis 2m de diâmetro, construído na forma de um batistério e localizado
num terreno baldio, nos fundos de uma mesquita, eu continuo minha peregrinação,
agora ladeira abaixo, em direção à Capela Dominus Flevit, de cuja existência eu
fiquei sabendo com o auxílio do meu guia de bolso. Foi construída em 1955, no
formato de uma lágrima, sobre as fundações (como quase tudo por lá) de uma antiga
capela que, por sua vez, foi construída sobre uma pedra onde Jesus teria
chorado pelo destino de Jerusalém. A igrejinha é bem simples, porém, possui uma
das imagens mais deslumbrantes que já vi: sentado diante do altar, é possível
contemplar um crucifixo e, ao fundo, uma janela através da qual se pode admirar
a cidade velha e, mais especificamente a Cúpula da Rocha e o Muro das
Lamentações. Três religiões em harmonia, unidades num único olhar.
A próxima parada aconteceu na
Igreja Ortodoxa Santa Maria Madalena, mandada construir pelo Czar Alexandre
III, em memória de sua mãe, Maria Alexandrovna. É interessante ver uma
construção em estilo moscovita, com suas cúpulas douradas que podem ser
avistadas desde muito longe, em meio do deserto. Interessantes também as
pinturas sobre suas paredes internas, que contam algumas passagens da vida de Maria
Madalena, mulher de fibra e com uma história riquíssima, embora seja conhecida
apenas por ter levado sua juventude com uma liberdade que, nos dias de hoje, é
considerada até normal.
E foi nessa igreja que até tentei
comprar umas lembrancinhas para dar para alguns familiares. O problema é que
não havia muitas opções, sem contar que as vendedoras, todas freiras,
assustavam qualquer cliente com seu odor de pelo menos uma semana sem tomar
banho e uma barba quase tão longa quanto à de freis ortodoxos. Não sei quem
disse que para ser religioso é necessário se esquecer de si. Se o indivíduo não
gosta de si mesmo, como vai ajudar os outros, função primordial de um religioso?
Em, voltando a caminhar, passei pela
gruta onde Judas teria traído Cristo e, por fim, parei no Túmulo da Virgem, construção
do século XII, entre as mais espetaculares de Jerusalém. E o que chama mais a
atenção é a escadaria de 47 amplos degraus, ladeados por túmulos de reis
católicos, que levam ao subterrâneo onde teria sido sepultada a Virgem Maria,
cujos espólios teriam sido transportados de Efésio a Jerusalém pelos cruzados.
É difícil descrever o local, iluminado por lamparinas coloridas e que em muito
lembram as construções russas, já é administrado pela igreja ortodoxa russa.
Não é uma igreja grande e nem possui o tradicional formato de cruz. Logo após
descer as escadas, caio num amplo corredor, tendo de um lado o túmulo da virgem
e de outro um salão, com pinturas sobre as paredes que contam momentos da vida
de Cristo ainda jovem, aprendendo com o pai a profissão de carpinteiro.
Já meio cansado e com minha amiga
Hanni me esperando do lado de fora da Porta de Jaffa, saí em disparada em
direção à Porta dos Leões, a partir de onde peguei a Via Dolorosa, menor
caminho até meu destino final. Claro que, no meio desse caminho, mesmo correndo
feito um doido, não pude deixar de dar uma paradinha na casa onde Maria teria nascido,
hoje nos subterrâneos de uma igreja. É difícil acreditar que alguém anônimo na
época, como é o caso de Maria, tivesse a casa onde nasceu identificada e
conservada tanto tempo depois. De qualquer modo, fiz minha rápida parada e
segui novamente minha caminhada.
Mais alguns minutos e lá estava
eu do lado de fora da Porta de Jaffa, onde minha amiga me aguardava. Não havia
mudado muito desde a última vez que a havia visto em Buenos Aires. Depois de
nos cumprimentarmos, perguntou em seu inglês macarrônico o que desejava fazer e
eu respondi num inglês não muito distante do seu o que esperava daquela tarde.
Bem, eu queria visitar a Basílica
da Natividade, logo ali, em Belém, mas pelo seu tom de voz, Hanni deu a entender
que não poderia ir até lá, já que o local fica em terras palestinas e ela é
israelense. Foi então que resolvemos fazer um city tour, parando em algumas
colinas em torno da cidade e das quais podia ver Jerusalém de vários ângulos.
Paramos para algumas fotos,
tomamos algo num barzinho e seguimos cidade nova adentro para pegar uma bela
estrada, em meio a uma floresta de pinheiros, totalmente plantada, que dava
numa cidadezinha nem um pouco turística, onde passamos algumas horas entre
almoço e café. A cidade se chama Ein-Kerem e o local onde almoçamos, que dava
de frente para a tal floresta, Brasserie Ein-Kerem. Aliás, o local é tão
agradável que, embora não costume fazer propaganda, acho que vale deixar aqui
registrado o site do local: www.2eat.co.il/eng/brasseriejer.
Não me lembro o que comi, mas lembro que gostei muito. O local era tão
agradável, bem como a comida e a companhia, que o inglês enferrujado nem chegou
a ser um problema para hora de conversa, que se prolongaram mais um pouco, num
rápido jantar em Cesaréia.
Mas antes de chegar à antiga
cidade portuária, passamos rapidamente por Tel-Aviv, cidade que lembra Nova
York, ou São Francisco, com construções moderníssimas. Aliás, falando em
modernidade, não pude deixar de me surpreender com o fato de Israel fornecer
acesso à internet de alta qualidade e de graça para qualquer um. Basta escolher
a rede com melhor sinal, se conectar e sair navegando. Isso sim é primeiro
mundo, embora problemas de outra ordem afetem o local.
E eis que chegamos às ruínas de
Cesaréia, já noite adentro, vendo seus antigos edifícios, ou o que sobrou
deles, com aquela iluminação que valoriza qualquer pedaço de pedra sem valor (o
que não de um patrimônio da humanidade?). A cidade foi construída por Herodes,
em homenagem a César Augusto, sobre os vestígios de um antigo porto fenício.
Possuía um grande anfiteatro, hoje completamente restaurado e palco de grandes
espetáculos que, infelizmente, não pude assistir.
Já era tarde quando Hanni me
deixou na rodoviária de Tel-Aviv, onde me despedi dela e peguei o ônibus para
Jerusalém. No começo, senti um pouco de insegurança com o local, mas depois, como
se diz por aqui, entreguei a Deus e segui minha viagem de pouco menos de uma
hora na maior tranquilidade.
Estava tão tranquilo, que desci
do ônibus na rodoviária de Jerusalém, segui para a faixa de pedestres, aguardei
os veículos em trânsito passarem e atravessei em direção a um taxi. No meio do
caminho, porém, um desvairado gritava atrás de mim e só parou quando conseguiu
me interceptar. Perguntou com as mãos se eu era surdo, ao que respondi que não
falava sua língua. Indagou, então, onde ia, ao que apontei para o ponto de
táxi, informando que estava a caminho do hotel.
Já dentro do taxi, perguntei ao
motorista, um jovem de 29 anos, de origem síria, chamado Salmon, quem eram
aqueles homens (às vezes mulheres) em roupas verde-limão. Ele me respondeu, num
inglês sofrível, que se tratavam de homens da guarda (aliás, ele também era um
policial voluntário, trabalho que fazia durante 2 horas por dia). Somente aí
que me dei conta que, bem por pouco, escapei de levar um tiro por não ter entendido
que o fulano gritava em hebraico atrás de mim.
Mais um pouco e me via diante da
Porta de Damasco novamente onde, no dia seguinte, o mesmo motorista me pegaria
bem cedo para me levar até a fronteira, onde outro motorista me aguardava para
iniciar a segunda parte desta viagem, agora em terras jordanianas.
Caminhei ainda alguns minutos até
chegar no hotel. O silêncio era grande, pois àquela hora o vai-vem de pessoas
dava uma pausa, pelo menos até que os primeiros raios de sol despontassem
novamente no horizonte. Apenas um ou outro soldado em alguns cantos da cidade,
que dormia o sono dos justos, coisa que também queria fazer, depois de um dia
tão rico de informações.