Assumi o compromisso
de escrever para a edição de 2012 da Itália
em São Paulo sobre o primeiro automóvel fabricado no Brasil. Ocorre que, no
curso da minha pesquisa, descobri uma família com o empreendedorismo gravado em
seu código genético, de modo que falar sobre a Romi-Isetta, sem falar um pouco
de Americo Emilio Romi e seus filhos é como iniciar uma história já pelo
clímax.
Filho de imigrantes
italianos, vindos para o Brasil nos idos de 1890, em fuga da crise econômica
que assolava a Itália recém unificada, o fundador das Indústrias Romi, nascido
no interior de São Paulo, foi registrado Americo por vontade do pai, mas sempre
chamado de Emilio pela mãe, com quem passou mais tempo durante sua infância.
E se foram as
oportunidades de trabalho que trouxeram os Romi para o Brasil, também foram
elas que os levaram de volta para a Itália. Trabalhando como maquinista na
companhia de trans Mogiana, emprego que perderia por conta das leis de proteção
ao trabalhador brasileiro, o pai de Americo Emilio Romi acabou contraindo
bronquite asmática que, sem cura na época, fê-lo retornar com a família para
sua terra natal, onde encontraria um clima mais propício para o tratamento de
sua doença e um ambiente no qual o filho poderia melhorar sua formação
acadêmica e, consequentemente, ter acesso a boas oportunidades de trabalho.
Na escola, o jovem
Romi demonstrou ter vindo para esse mundo com a missão de vencer e formou-se no
curso técnico de eletrotécnica, no ano de 1914, com nota máxima.
Nesse mesmo ano,
estoura a 1ª. Guerra, da qual a Itália toma parte no ano seguinte. Para a
empreitada, convoca todos os jovens em idade militar, o que inclui o
protagonista desta história, mesmo contra a vontade da mãe, que alegava ser o
filho brasileiro (tese frágil, já que o que contava era o jus sanguinis,
princípio pelo qual é a nacionalidade dos pais que determina a dos filhos).
Durante sua campanha,
envolve-se num ataque das forças inimigas e, por bem pouco não perde a vida. E
como nada na vida acontece sem razão, durante sua permanência no hospital
militar, apaixona-se pela enfermeira que o tratava, viúva de outro combatente
de guerra e mãe de um menino que viria a se tornar seu cúmplice em todas as
empreitadas da sua vida futura.
Cumplicidade também
envolveu o casal Americo e Olimpia, ou simplesmente Pia, como era
carinhosamente chamada pelo marido. Ele trabalhava incessantemente, primeiro só
e depois com a ajuda dos filhos, e ela sempre a cuidar da casa e das finanças da
família, controlando com pulso firme todos os dispêndios, evitando desperdícios
e, certamente, com isso contribuindo para os projetos de Romi e de seu enteado,
Carlo Chiti.
Mas não foi na Itália
que o casal quis escrever sua história, bem sim no Brasil, onde Americo Romi
havia nascido. E lá vão eles em busca da terra de oportunidades e que ainda
hoje demonstra ser o horizonte de tantos italianos.
O ano era 1923 e o
destino a capital paulista, que já àquela época parecia oferecer mais
oportunidades. E foi assim que “Seu” Emilio, como ficou conhecido de todos aqui
no Brasil, abriu seu primeiro negócio, uma oficina de reparação de veículos, na
esquina da Avenida Paulista com a Consolação.
O primeiro negócio
foi muito bem, sobretudo porque funcionava num horário em que todos os
concorrentes estavam fechados. Entretanto, uma rebelião tenentista que tomou
conta da cidade em meados de 1924 pôs fim a esse capítulo da história dos Romi,
dado que a oficina do nosso protagonista foi requisitada por tropas governistas,
tendo sido devolvida ao final da revolução completamente em frangalhos.
Depois de um breve
período na Alfa-Romeo, decide abrir outra oficina, desta vez no centro da
cidade. Essa empreitada também não durou muito, já que o sócio, apaixonado por
uma vizinha, roubou o dinheiro do caixa e fugiu para o Rio.
É nesse momento que o
embrião da atual Indústrias Romi começa a se formar. Após o incidente que o
obrigara a vender sua segunda oficina, “Seu” Emilio resolve fazer um giro pelo
interior de São Paulo, em busca de um lugar para se estabelecerem, sem
sobressaltos.
O novo lar dos Romi
era Americana, onde Americo conseguiu um emprego numa concessionária Chevrolet,
trabalho que levou com determinação até o estouro da crise econômica de 1929,
quando seus empregadores viram-se obrigados a cortar pessoal e a diminuir
salários. Acreditando-se um peso para os patrões e não sendo homem de trabalhar
como empregado, mas como patrão, resolve pedir demissão e dar vazão a mais um sonho.
E o sonho agora era o
de montar nova oficina, desta vez para atender à demanda da indústria
sucro-alcooleira concentrada em Santa Bárbara, logo ali, a poucos quilômetros
de Americana. No começo, debaixo de muita desconfiança, eram prestados serviços
de reparos, mas com o tempo, a oferta englobou o fornecimento de peças de
reposição, lubrificantes e pneus, até que, após passar por mais uma turbulência
(Revolução Constitucionalista de 1932), decide ir além e fabricar máquinas
agrícolas inteiras (semeadeiras, adubadeiras etc.) que, debaixo de muita
dedicação, grande tino comercial e avanços tecnológicos que chegaram ao Brasil
(máquinas de solda, que substituíram o rudimentar processo de caldeamento),
tiveram grande sucesso, não apenas no mercado brasileiro, mas em diversos
países da América do Sul.
Mas aí veio a 2°
Guerra, a falta de material e tempo para repensar o destino dos negócios.
Perceberam, então que, com a Guerra, a florescente indústria brasileira, assim
como a Romi, carecia não somente de matérias primas, mas também de peças
mecânicas, o que fazia sobrecarregar enormemente o trabalho das oficinas, que
careciam de tornos para dar vazão a seu trabalho. E foi aí que resolveram
fabricar tornos, cerne do que é a atual atividade do grupo.
Falando assim, parece
que foi tudo linear, mas não foi não. Os desafios foram muitos, mas quem nasce
empreendedor consegue superá-los com voracidade. E com essa força de vencer,
foi produzido o primeiro torno (que por questão de imagem, foi apresentado a
mercado como sendo o n° 101), ao qual seguiram-se cerca de 1.700 por ano até o
final da guerra (número que superou 2 mil unidades cerca de 10 ano depois e que
chegou a ser exportado para mais de 50 países).
E depois dos tornos,
seguiu-se a busca contínua por tecnologia, a fabricação de tratores, a abertura
de um jornal, a gestão da prefeitura de Santa Bárbara (que passou por um salto
de qualidade no mandato de Americo Romi) e, quando parecia ter feito de tudo,
Americo e seu enteado resolveram produzir no Brasil seu primeiro automóvel.
A inspiração foi uma
reportagem lida por Carlo Chiti no ano de 1955 e que tratava de um pequeno
automóvel recém lançado na Europa, o Isetta, que caia como uma luva no sonho de
ambos de fabricar um pequeno utilitário, seguro, de baixo custo e que fizesse
crescer o mercado e as riquezas nacionais.
Com design aerodinâmico
revolucionário, em forma de gota, uma única porta frontal, que facilitava o
acesso ao seu interior, cabine inteiramente envidraçada, como nos caças a jato
(possibilitando grande visibilidade), amplo uso de materiais leves, como o
alumínio (resultando em elevada eficiência energética), ergonomia avançada (com
todos os comandos ao alcance da mão) e cuidados com a localização do centro de
gravidade (resultando em grande estabilidade), o Isetta, projeto do engenheiro
aeronáutico Ermenegildo Pretti e de seu assistente, Pierluigi Raggi, acomodava
confortavelmente duas pessoas e, com certo aperto, até três. Tinha 2,25m de
comprimento por 1,40m de largura. O motor, bem distante dos carros populares de
hoje, possuía apenas 236 cilindradas, mas fazia até 30Km com um litro de
combustível. Outra característica interessante do pequeno Iso (nome da
fabricante italiana, estabelecida nos arredores de Milão) residia na bitola
traseira, que era a metade da dianteira.
O câmbio do Isetta
possuía quatro marchas para frente e uma de ré. Quanto à manutenção, dizem que
era fácil e que o pequenino conseguia trafegar nas piores estradas e ruas, em
qualquer tempo.
Bastante robustos,
participaram das 1000 Milhas de 1954 (tradicional corrida com circuito de rua,
abolida há algumas décadas depois de um grave acidente) e atingiram uma média
de 79Km/h, resultado superior ao da vencedora da primeira prova.
Pois bem, Americo e
Carlo foram à Itália, compraram dois Isettas e, tendo obtido autorização da
Iso, após dissecarem o veículo e compreenderem como funcionava, centímetro por
centímetro, assim como já haviam feito nos outros setores em que atuavam ou
atuaram, em 30 de junho de 1956 passaram a produzir o primeiro automóvel de
passeio com 72% de índice de nacionalização (os demais, então fabricados, eram
montados a partir de peças completamente importadas das casas matrizes). O nome
dele, nada mais justo, era Romi-Isetta.
Mas a ousadia no
campo técnico não teria valido de nada se o tino comercial de Chiti não tivesse
idealizado uma campanha promocional (impensável nos dias de hoje) que incluiu
um desfile de 16 carros, a partir da primeira concessionária, estabelecida no centro
de São Paulo (e também em outras cidades), com benção episcopal e voltinha com
a primeira dama do estado, Dona Eloá Quadros, bem como aparições no cinema e na
televisão, fazendo do pequeno possante a coqueluche do momento, condição
refletida no slogan da campanha: O lado bom da vida é o lado de dentro de um
Romi-Isetta.
Manchetes dos
principais jornais da época eram unânimes em dizer: “A Romi se antecipou aos
projetos governamentais de Juscelino, estabelecendo um marco na
industrialização brasileira”.
O Romi-Iseta também
entrou na onda feminista da época, já que, de fácil manuseio, mostrava que
dirigir também era coisa de mulher, que viu no pequeno um meio de transporte
para ir às compras, fazer visitas e passeios.
Em 1959, depois de
uma bem sucedida negociação com a BMW, que passou a fornecer os motores, é
lançado do Romi-Isetta 300 de Luxe, com importantes modificações que visavam
aumento de desempenho e grande economia de combustível.
Em 1960, a
consagração: Romi-Isettas vindos de todo o país chegam à nova capital
brasileira. Era a Caravana de Integração Nacional, recebida por JK em pessoa,
que não se furtou de dar uma volta num modelo coupè.
Em 1961, com o Plano
Nacional da Indústria Automobilística (focado em veículos para 4 ou mais
passageiros e não nos compactos) em pleno vigor e a presença de diversas casas
automobilísticas no cenário brasileiro, como Vemag, VW, Simca, Willys, Toyota e
FNM, a Romi decidiu que era hora de cessar a produção e, em 13 de abril de
1961, o último Romi-Isetta, um exemplar branco e amarelo-limão, deixa a linha
de produção.
Encerrou-se naquele
dia um marco na história deste país. Um produto totalmente adiante de seu tempo
(basta que pensemos nas atuais discussões sobre a economia de combustível e a
redução da emissão de gases tóxicos).
Cerca de 2 anos
antes, porém, as cortinas já se haviam fechado para o mentor de tudo. Alguém
que fazia questão de tratar os funcionários como companheiros,
co-participantes, co-responsáveis. Só assim, segundo seu modo de ver as coisas,
é que dariam o máximo. E foi dentro partindo dessa óptica que 2 anos antes de
deixar esse mundo, Emílio e Olímpia doam todos os seus bens pessoais à Fundação
Romi, entidade criada com o escopo formar, assistir, apoiar e, assim, fazer o
mundo evoluir. Função que, em certos pontos, deveria ser cumprida pelo governo,
do qual Americo Emilio Romi nunca se achou em situação de precisar.